Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 21, 2004

Agosto 21, 2004

Agosto 21, 2004
André Petry 21 08 2004 Quem matou Edison?


A criminalidade e a lentidão da Justiça brasileira são duas chagas nacionais que, volta e meia, entram no debate. Agora mesmo, em relação aos dois assuntos, o governo propôs uma discussão sobre a lei dos crimes hediondos e produziu um detalhe diagnóstico do Poder Judiciário, prontamente rechaçado pelos magistrados que se indignaram com a informação de que estariam entre os juízes mais bem pagos do mundo. Lamentavelmente, prestou-se pouca atenção em uma notícia que tanto ajuda a impulsionar a criminalidade e desmoralizar a Justiça brasileira – o arquivamento do caso do jovem Edison Tsung Chi Hsueh. Para quem não se lembra, Edison Hsueh é o calouro de medicina da Universidade de São Paulo que, depois de um trote aplicado pelos veteranos, apareceu morto no fundo da piscina do clube atlético da universidade. A tragédia ocorreu em 23 de fevereiro de 1999 e nunca foi plenamente esclarecida: ele afogou-se acidentalmente ao cair na piscina sem saber nadar? Sob intenso stress, ele resolveu jogar-se na piscina numa tentativa bem-sucedida de suicídio? Ou seus colegas jogaram-no na piscina várias vezes e acabaram levando Edison Hsueh à morte?
Na semana passada, noticiou-se que a Justiça arquivou o processo em que dois estudantes, ambos já formados em medicina, eram acusados de ter matado o calouro naquele 23 de fevereiro de 1999. Por tabela, a decisão judicial também inocenta outros dois estudantes que, na época, participaram da festa e do trote. Com o arquivamento do processo, criou-se o seguinte cenário: um jovem apareceu morto numa festa dentro da universidade mais respeitada do país – e ninguém sabe mais nada e ninguém é punido e não há mais processo. Isso é justiça? Antes, cabe um esclarecimento: não se está aqui insinuando que os ex-estudantes de medicina da USP sejam culpados da morte e que, portanto, tinham de ser punidos. Não. Nada disso. Eles podem ser inteiramente inocentes. O problema é que a Justiça, ao arquivar o caso, não prolatou uma sentença dizendo que eram inocentes. O caso foi arquivado porque, no entender dos juízes, a promotoria não conseguiu provar que houve um crime – e, não havendo crime, não há criminosos. Tudo perfeitamente legal, mas cabe uma indagação central: fez-se justiça?
Não existe nada melhor para estimular a criminalidade, para aumentar o desprezo à polícia e a descrença na Justiça do que casos como o de Edison Hsueh. O governo está certo ao fazer um diagnóstico do Poder Judiciário. Está certo ao debater a lei dos crimes hediondos, que, aliás, só serve para fazer demagogia. Mas enquanto uma morte como a de Edison Hsueh – uma morte que chamou a atenção do país, que foi fartamente noticiada pela imprensa, que ocorreu entre estudantes de classe média e futuros médicos, que levou a reitoria da USP a proibir os trotes para sempre –, enquanto uma morte desta não ganha uma resposta, uma explicação, um esclarecimento, não se pode esperar muita coisa. Arquivar um caso está dentro das regras. Isso acontece em qualquer lugar do mundo. O problema é que no Brasil isso acontece demais. O Estado brasileiro está informando aos familiares de Edison Hsueh que não sabe o que se passou naquele 23 de fevereiro de 1999 e, portanto, convida todos nós a esquecer o assunto. Que tal? Vamos esquecer? D
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:58 PM
Tales Alvarenga 21 08 2004 Baleia no Planalto

O presidente Lula é como aquela baleia que encalhou uma semana atrás numa praia do Rio, atraindo uma multidão de populares que queriam ajudar a salvá-la. Tanto no caso da baleia como no de Lula, os brasileiros torcem por eles. Nem o presidente nem o cetáceo parecem ter entendido isso. Não se esforçam para desencalhar.
Por um impulso irracional, o brasileiro ama as baleias. Não se sabe por que devora sem compaixão o bacalhau, que é cada vez mais raro nos mares do norte. Também aprova Lula, conforme as pesquisas. O que se espera é que as baleias e o presidente façam um esforço para justificar o prestígio que têm. Lula está fazendo exatamente o oposto. Seu governo inventa desnecessariamente uma nova crise a cada semana.
Em viagens ao exterior nos últimos dias, Lula defendeu um projeto de censura à imprensa e chamou os jornalistas de "covardes" por ficarem contra esse projeto. Em outra oportunidade, disse que foi ao Gabão aprender com o ditador de lá como é que um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição. Lula é tão espontâneo como uma baleia. Com freqüência cisma de nadar em direção à praia sem perceber que vai encalhar. Diz absurdos e toma decisões de um amadorismo tosco. As pessoas são complacentes com ele, e a vida segue adiante.
Entre os jornalistas, há mesmo muitos covardes, mas não por se negarem a ficar na defesa de um projeto autoritário do governo para amordaçar a imprensa. Quanto ao desejo de permanecer 37 anos no poder, como quer Lula, essa é uma característica bastante comum nos políticos. Sergio Motta, homem forte do governo de Fernando Henrique, tinha um projeto de vinte anos para os tucanos no Planalto. Agora, descobre-se que o projeto de poder dos petistas é coisa para meio século.
Lula fez as declarações citadas acima em tom de gracejo. Quis mostrar que não leva tais assuntos muito a sério. Talvez essa capacidade de fazer coisas espontaneamente, com jeito brincalhão, explique um pouco da popularidade de Lula. Os brasileiros não são muito exigentes em relação a crianças, índios e pessoas brincalhonas como baleias.
Durante séculos, as baleias foram caçadas e algumas espécies se tornaram candidatas à extinção. Hoje, esse risco não existe mais. Manadas de cetáceos trafegam impunemente pela costa brasileira, para cima e para baixo, sem sofrer ataque de espécie alguma, a não ser a proximidade de barcos cheios de turistas que tiram fotos, abanam as mãos e gritam coisas animadoras para elas.
Lula é tratado com simpatia semelhante. Foi perseguido por uma ditadura e, quando entrou na vida política, sofreu preconceito da elite porque se mostrava disposto a virar o Brasil de pernas para o ar. Apelidado de "sapo barbudo" em sua primeira campanha presidencial, em l989, foi deglutido pela elite e pela classe média. Está perfeitamente integrado ao topo da pirâmide econômica e social. Os preconceitos que havia contra o sindicalista agressivo se transformaram em preconceitos a favor do presidente.
Lula goza hoje da imunidade de uma baleia. Transformou-se quase numa entidade protegida pelo Ibama. Está tão confiante que ousa tudo. Inclusive nadar para a praia.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:55 PM
Diogo Mainardi 21 08 2004 Diogo Mainardi
A irmandade chavista

Sessenta e oito intelectuais e artistas brasileiros assinaram o manifesto "Se fosse venezuelano, eu votaria em Chávez". Os nomes de sempre: Oscar Niemeyer, Celso Furtado, Antonio Candido, Leonardo Boff, Chico Buarque, Augusto Boal, João Pedro Stédile, Beth Carvalho. Não sei se os venezuelanos consideram Beth Carvalho uma intelectual ou uma artista. Também não sei quantos votos seu apoio rendeu a Hugo Chávez.
Os intelectuais e artistas brasileiros não perdem ocasião para assinar manifestos. O decano da categoria é Oscar Niemeyer. Assinou praticamente todos os manifestos que surgiram nos últimos anos. Do que condena a guerra no Iraque ao que repudia a autonomia do Banco Central. Do que defende o MST ao que pede a reabertura das investigações sobre o assassinato de Toninho do PT, prefeito de Campinas. Pena que os intelectuais e artistas brasileiros não tenham pensado em assinar um manifesto pedindo uma CPI sobre o assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André. Esperemos que seus pares venezuelanos tomem essa iniciativa.
Oscar Niemeyer, Chico Buarque e João Pedro Stédile assinaram um manifesto de solidariedade a José Dirceu, abalado pelo caso de corrupção em seu ministério. Os mesmos Oscar Niemeyer, Chico Buarque e João Pedro Stédile assinaram um manifesto de solidariedade a Cuba, depois que o regime de Fidel Castro mandou matar uns miseráveis que roubaram um barco para tentar fugir do país.
Os intelectuais brasileiros formam uma espécie de irmandade. Entre os signatários do manifesto de apoio a Chávez, encontram-se tanto Carlos Heitor Cony, agraciado com uma aposentadoria milionária pela Comissão de Anistia, quanto Marcelo Lavenère, presidente da mesma comissão. Outros dois intelectuais que manifestaram apoio a Chávez foram Fernando Morais e Guilherme Fontes, respectivamente autor e diretor de Chatô. Guilherme Fontes, por causa do filme, passou os últimos tempos defendendo-se de acusações de irregularidades no uso de verbas públicas. Fernando Morais passou os últimos tempos defendendo seu padrinho político, Orestes Quércia, de acusações semelhantes.
Um dos mais entusiasmados signatários do manifesto chavista foi o bispo Tomás Balduino. Ele pregou "a mística bolivariana", por sua "coragem de enfrentar o império americano", da mesma maneira que pregou, no passado, a invasão de terras produtivas e o saque a supermercados. Tomás Balduino foi um dos promotores do fracassado plebiscito da dívida externa. Ultimamente, passou a recolher adesões para um plebiscito contra a Alca. Muitas das personalidades que assinaram o manifesto chavista assinaram também, um ano atrás, uma carta aberta a Lula, alertando-o contra a Alca e seu projeto neoliberal, que condena o Brasil a pagar juros apenas "para saciar credores insaciáveis". Preocupados com os rumos da cultura, os intelectuais e artistas aproveitaram para lembrar o presidente de que a nação não pode "entregar ao mercado a formação de sua juventude". Lula continuou a pagar juros aos credores. Em compensação, intelectuais e artistas ganharam cargos públicos e projetos de lei para o controle de imprensa e cinema.
Se eu fosse venezuelano, votaria contra os brasileiros
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:54 PM
Sérgio Abranches 21 08 2004 Qual é a prioridade?

Outro dia, durante uma reunião na sede de uma empresa perto da favela da Mangueira, no Rio de Janeiro, às 11h30 da manhã, a discussão sobre cenários de longo prazo para o Brasil era entrecortada por rajadas de metralhadora. O que pensar sobre o Brasil de 2020 nesse contexto? A propensão era apostar no pior cenário, de fracasso coletivo.
Mas esse é apenas um instantâneo da dissolução da autoridade pública, da desordem e do desregramento. Quem mora nos bairros limítrofes à Rocinha, no Rio de Janeiro, se acostumou a ouvir, a qualquer hora do dia, tiroteio com armas automáticas de uso militar. Virou rotina. É como manter a TV ligada em um canal de Bagdá. A trilha sonora é de guerra. Virou tema de conversa, freqüentemente descontraída, dos moradores dos bairros de classe média da Gávea e de São Conrado.
Ilustração Ale Setti
Passamos a encarar com a frieza com que olhamos as estatísticas cenas e sons de uma tragédia coletiva, presente em nosso cotidiano, como uma novela sem fim. As fotos dos jovens dizimados pela guerra de quadrilhas, pela violência tanto do aparato policial como dos bandoleiros, geram tão pouca indignação quanto a informação de que a taxa de mortes por 100.000 pessoas, entre jovens de 15 a 24 anos, causadas por homicídio é praticamente o dobro da taxa para o total da população. No Rio de Janeiro, é oito vezes maior. Já quase nem ligamos para o fato de que 68% dos óbitos dos jovens de sexo masculino, nessa faixa etária, se devem a homicídios, acidentes de trânsito e suicídios. Estamos perdendo nossa juventude, por omissão, acomodação e pela irresponsabilidade generalizada dos que comandam o setor público no Brasil, seus Estados e seus municípios.
Numa viagem entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, em um trecho de mais de 100 quilômetros, não consegui trafegar a mais de 10 quilômetros por hora. Era forçado a deixar a pista para me livrar de carretas e ônibus que trafegavam na contramão para desviar de buracos que cobriam toda a extensão da estrada. Uma viagem de carro pelo Brasil flagra, em cada trecho de estrada, sinais inequívocos da crise do Estado e de autoridade que vivemos. Parente daquela desordem urbana. A absoluta ausência do setor público bombardeou as estradas federais, estaduais e municipais. Trafegáveis, em condição plena, só as privadas. Aumentei a média de velocidade preferindo estradas vicinais, sem asfaltamento.
A proliferação de quebra-molas mostra a ausência da autoridade pública, a omissão, o mau comportamento da patrulha rodoviária, a transgressão generalizada.
Como fenômeno coletivo, a desobediência sistemática revela o não reconhecimento da legitimidade das regras. Mas por que um cidadão deveria considerar respeitável uma autoridade que afixa uma placa de limite de velocidade de, digamos, 80 quilômetros em uma estrada cujo estado não permite velocidade superior a 20? Logo à frente, se puder, ele desobedecerá a todos os limites.
As estradas deseducam, sabotam a competitividade e a capacidade exportadora do país e matam. As mortes representam, na imagem eloqüente do professor Paulo Fernando Fleury, o equivalente, em nosso país, à queda de dois Boeing lotados a cada três dias.
Passamos as últimas três semanas vendo o governo querer convencer a sociedade de que é preciso vigiar e punir imprensa, mídia, programação de TV, cinema. O presidente da República, atropelando a compostura, chamou de covardes os jornalistas que se opõem. Muitos se arriscam todo dia para mostrar ao Brasil sua própria cara.
É essa a prioridade nacional? É vedando o debate e impedindo os brasileiros de ver produções estrangeiras que combateremos essa crise óbvia de legitimidade? O que é pior? Os tiroteios da Rocinha, no Rio, ou Tiros em Columbine, na TV?
Na entrega do Prêmio Ayrton Senna, oferecido a jornalistas que revelam e discutem sobretudo as carências de crianças e adolescentes e as soluções para elas, houve um consenso. Sem a liberdade irrestrita da imprensa são impossíveis a cidadania plena e uma sociedade consciente de seus problemas e suas responsabilidades coletivas.
Sou da geração que aderiu ao tropicalismo porque era criativo e libertário, num momento de chumbo de nossa história. É com imenso pesar que vejo Gilberto Gil, ex-tropicalista, aderir ao projeto de vigilância e punição, quando deveria estar usando sua criatividade e energia para mobilizar a inteligência nacional na discussão desses desvios profundos, que deformam a cultura cívica nacional. Raras vezes vi tamanha incompreensão de quais são as urgências e a prioridade da nação.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:52 PM
LUÍS NASSIF 21 08 004 A indústria farmacêutica nacional

Não é fácil a definição de um modelo competitivo para a indústria farmacêutica nacional. Mundialmente, há uma tendência à concentração no setor. No futuro, deverão existir duas grandes empresas na Europa, duas nos Estados Unidos e duas no Japão. O Brasil possui 250 empresas, poucas médias, nenhuma grande. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) desenvolveu bons estudos nos últimos meses, conversou com companhias, está promovendo conversas iniciais, apostando na criação de um grupo com US$ 700 milhões a US$ 800 milhões de faturamento/ano. De certo modo, o Brasil enfrenta, hoje, o desafio da Espanha de 15 anos atrás. O início da lei das patentes induziu as empresas espanholas à concentração em torno de oito ou nove grandes laboratórios, que definiram acordos com multinacionais. Ocorre que, no Brasil, o setor ainda é muito rançoso e familiar. Existem empresas como Aché, Biossintética, Eurofarma, Meddely, SEM e Cristália. Mas ainda há muito a caminhar até chegar a um acordo para a grande fusão. O segundo ponto são o investimentos necessários em pesquisa e lançamento. Depois de definido o princípio ativo e feitos os testes de toxicologia, há uma fase onerosa, com os testes pré-clínicos (em animais) e clínicos (em pessoas). O Brasil pode se tornar um grande centro de testes clínicos. A entrada dos genéricos permitiu uma notável evolução na qualidade dos laboratórios com o aprofundamento da pesquisa clínica. A Comep (Comissão Nacional de Estudos e Pesquisas), ligada ao Conselho Nacional de Saúde, está incumbida de regular os estudos clínicos. Mas os estudos internos não são suficientes para aprovação na Europa. Para obter a certificação européia, exige-se investimento de 1 milhão por princípio ativo. No FDA norte-americano, o investimento poder chegar a US$ 2 milhões. Nessas regiões, as agências reguladoras, no fundo, se transformaram em grandes agências de política industrial. No Brasil, BNDES, Fazenda, Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior têm se esforçado por definir uma política para a área. Mas uma perna essencial -o Ministério da Saúde- está manca. Em geral, levam-se de oito a dez meses para obter um protocolo. Os estudos são caríssimos e muito regulados. Depois de Gonçalo Veccina, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) virou um buraco negro. No setor, não existe mais uma ação coordenada do Ministério da Saúde. Às vezes, chega a adotar posições mais rigorosas que a própria FDA norte-americana. Com a perda de rumo, o Brasil perdeu posição até para o México, como atração de investimentos na área. O setor exige regulação dura, porque se mexe com saúde humana. O problema da Anvisa é que, nos últimos 18 meses, foi desmontada, deixou de ter critérios claros de fiscalização, aumentando demasiadamente o poder discricionário dos fiscais.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:48 PM
FERNANDO RODRIGUES 21 -8 204 Transparência zero


BRASÍLIA - Ao sancionar a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), Lula vetou o acesso de deputados e senadores ao Siafi. Logo depois, editou um decreto dando de volta esse privilégio mixuruca. É pouco ou quase nada na direção da transparência. O Siafi é o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal. Ali é possível saber quantas garrafas de água tônica ou quantos roupões de algodão egípcio são comprados pelo Planalto. Só congressistas têm acesso total ao Siafi. Se um dos 179,4 milhões de brasileiros deseja consultar o sistema, precisa mendigar a um deputado ou senador. É degradante. O episódio exemplifica à perfeição a distância entre o que a administração Lula promete em público e o que tem feito na prática. Em janeiro de 2003, o ministro Waldir Pires, da Controladoria Geral, declarou o seguinte: "Quero abrir o Siafi para que todos os cidadãos tenham acesso. Quero também a ampla publicidade dos balanços e relatórios periódicos da administração pública. Sempre de forma inteligível a todos". Waldir Pires está certo. Deveria protestar contra outros vetos que Lula impôs ao sancionar a LDO. Por exemplo, foi vetada a obrigatoriedade para o governo explicitar "os parâmetros esperados" para o "nível de endividamento e volume de desembolso com serviço da dívida". Lula também ficou invocado com a expressão "acesso irrestrito" a dados sobre Orçamento, Previdência e arrecadação. Vetou-a. Eis a justificativa: "[A] divulgação pode perturbar desnecessariamente o ambiente político e econômico do país, sem nenhuma vantagem aparente". Fantástico. O governo Lula tem alguns defeitos, menos o da incoerência. Primeiro, propôs uma lei que visa "orientar, disciplinar e fiscalizar" a atividade de jornalismo. Agora, decide quais informações sobre seus gastos podem "perturbar desnecessariamente o ambiente" -como se já não fosse perturbada ao máximo a mente capaz de produzir raciocínio com tanto desapreço pela transparência.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:45 PM
CLÓVIS ROSSI21 08 2004 Petulâncias tolas


SÃO PAULO - O PT parece empenhado em espezinhar as instituições republicanas. O caso recente mais espetacular é a afirmação do presidente nacional do partido, José Genoino, para quem o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, "vai colocar o carro nos eixos". "Carro", no caso, é exatamente a mais alta corte judicial brasileira. Quando Jobim foi nomeado ministro do STF, na gestão Fernando Henrique Cardoso, petistas de grosso calibre viviam dizendo que ele seria "o líder do governo no Supremo". Agora, vai "colocar o carro nos eixos". O distinto público fica, portanto, autorizado a supor que o Supremo, na visão do PT, é apenas um apêndice do governo de plantão. Tanto havia ruído ruim na frase que Genoino cuidou ontem de "esclarecer" o que havia dito, mas sem retirar o do "carro nos eixos". Afinal, se o PT acusava um ministro da Casa de ser "líder do governo" e, agora, diz que ele vai colocar o STF nos "eixos", que só podem ser os eixos pelos quais se pauta o governo, a única conclusão possível é a de que, ao menos para o partido ora no governo, não há separação de Poderes, mas a mais absoluta promiscuidade. Não faltará quem diga que esse tipo de mentalidade reflete o autoritarismo intrínseco dos petistas. Pode ser, mas eu prefiro outra hipótese: trata-se de uma soma de despreparo com petulância típica de novos-ricos. Novos-ricos porque: 1) Nunca ocuparam o poder federal e, agora, se lambuzam com ele; 2) A economia vive o melhor momento desde a posse de Lula, o que faz com que a turma de novos-ricos acenda charutos com notas de US$ 100, na forma de uma retórica boboca. Em um momento de calmaria como o atual, esse tipo de frase pode ser visto apenas como folclórico. Mas é sempre conveniente tratar com respeito, até retórico, as instituições.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:43 PM
OPORTUNISMO PETISTA FOLHA DE S.PAULO EDITORIAL 21.08.2004



OPORTUNISMO PETISTA
As declarações do presidente nacional do PT, José Genoino, ao comemorar a decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou constitucional a cobrança de contribuição de servidores inativos, serviram para fortalecer a impressão de que o petismo se sente cada vez mais desembaraçado para dar livre curso à sua vocação centralizadora e autoritária. Aos olhos de Genoino, o presidente do STF, Nelson Jobim, é um "homem de Estado" que irá colocar "o carro nos eixos". As palavras do líder do PT são mais um preocupante sintoma da rarefeita consciência republicana instalada no poder. O que significa, afinal, colocar o Supremo "nos eixos"? Tutelá-lo? Estaria o líder do PT convidando o STF a transitar apenas pelos trilhos preferidos pelo Executivo? A desenvoltura com que representantes do governo e do PT atiram no lixo seus pontos de vista do passado já vai muito além do que os mais benévolos poderiam considerar como saudável "autocrítica". Quando o mesmo Nelson Jobim foi indicado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para ocupar a função de ministro do STF, lideranças petistas não perderam ocasião para acusá-lo de "líder governista" na mais alta corte do país. Agora, quando o governismo é o PT, Jobim é tratado como correia de transmissão do Executivo no Poder Judiciário. Essas manifestações de oportunismo político deixam às claras a incrível "flexibilidade" do petismo quando se trata de defender seu projeto de poder. Os ventos mais favoráveis da economia parecem enfunar ainda mais a petulância do governo e do partido, cujos luminares se sentem à vontade para distribuir gracejos e provocações e emitir seus rudimentares conceitos a respeito do funcionamento da democracia. Quanto a isso, em pouco tempo já se viu bastante: não se divisa no atual governo nenhum sinal de verdadeiro apreço pela tarefa de construir e fortalecer o arcabouço republicano do país. Tudo se passa como se as instituições fossem simplesmente instrumentos a serem "colocados nos eixos" pelo partido com vistas à sua perpetuação no poder.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:42 PM
João Ubaldo Ribeiro 15 08 2004 Agora só falta um ato institucional



Em episódio que não sei mais se se estuda na História do Brasil, pois nem mesmo sei se ainda se estuda História do Brasil, nos contavam, às vezes com admiração, que D. Pedro, o da Independência, irritado com a primeira Assembléia Constituinte brasileira, por ele considerada folgada e ousada, encerrou a brincadeira e outorgou a Constituição do novo Estado. Decerto a razão não é esta, é antes um sintoma, mas vejo aí um momento exemplar da tradição de encarar o Estado (que, na conversa, chamamos de “governo”) como nosso mestre e os nossos direitos como por ele dadivados. Os governantes não são mandatários ou representantes nossos, mas patrões ou chefes.
Claro, há muito o que discutir sobre o conceito de praticamente cada palavra que vou usar — isto sempre, de alguma forma, é possível —, mas vamos fingir que existe consenso sobre elas, não há de fazer muito mal agora. Nunca, de fato, tivemos democracia. E a República não trouxe nenhuma mudança efetivamente básica para o povo brasileiro, nenhuma revolução ou movimento o fez. Tudo continua como era dantes, só que os defeitos, digamos, de fábrica, vão piorando com o tempo e ficam cada vez mais difíceis de consertar. Alguns, na minha lúgubre opinião, jamais terão reparo, até porque a Humanidade, pelo menos como a conhecemos, deve acabar antes.
Os tempos recentes têm sido um pouco menos ruins, levando-se em conta um bom indicador de democracia, que é a liberdade de informação e de expressão, bem como de opinião e criação artística. Nisto, vimos sendo felizes, pois de fato, dando-se o abatimento das limitações que qualquer um poderá arrolar indefinidamente, fala-se o que se quer e se manifesta o que se quer, dentro dos limites da lei. Se isso não é conseguido por alguém ou por grupos e setores, não se deve à ação direta do governo. No que diz respeito a ele, cada pessoa ou grupo pode pensar como quiser e dizer o que quiser. Não é assim?
Não, não é. Era, quando o governo atual estava na oposição, como, aliás, tudo mais em política. Naquela época, não havia denuncismo, não só na imprensa quanto entre os oposicionistas, como o presidente mesmo (não canso de lembrar: que excelente candidato foi o nosso presidente!), que chamava uns e outros de ladrão a torto e a direito e, sobre os deputados, cujo trabalho atualmente elogia, disse que não passavam de 300 picaretas, sem que ninguém, o que podia ter sido feito, procurasse a Justiça, para que ele provasse que pelo menos crime de injúria ou difamação não havia cometido. Mas, como alieno culo piper refrigerium est continua princípio basilar da vida, agora campeia a denúncia irresponsável e leviana, a que urge dar cobro.
Sim, repita-se a cantilena. A imprensa comete erros e excessos, como toda atividade humana. Para coibi-los, existem leis. Mas não foi o governo que deu ao cidadão o direito de estrilar publicamente contra o que ele faz ou não faz. O direito a pensar e opinar é básico para a plenitude humana. O direito a expressar esse pensamento também não é uma benesse do governo, faz parte da dignidade e da liberdade de cada um de nós. Agora, a pretexto de regulamentar uma atividade profissional bastante diferente, por exemplo, da de um médico ou advogado, o governo revive uma idéia de odor mussolínico e encaminha ao Congresso (ainda bem que não foi uma medida provisória, instrumento legislativo ditatorial hoje costumeiro e que o presidente, quando ainda não havia denuncismo, prometeu não usar e acabar e não só não a acabou como a usa mais do que faz embaixadinhas) um projeto que cria o Conselho Federal de Jornalismo, para “orientar, disciplinar e fiscalizar” o exercício do jornalismo. Tudo na melhor das intenções, é claro. É só com a trivial finalidade de regulamentar uma profissão como qualquer outra.
Não é. É o começo do arrolhamento da imprensa. E é um caminho para o peleguismo. Já existem, no projeto, os embriões completos de um sistema de censura e tutela, que poderá calar a boca de qualquer jornalista, mesmo que não faça denúncias, mas apenas críticas consideradas, digamos, destrutivas ou de mau gosto, como é o meu caso e o de incontáveis outros — nunca se sabe a que limites chegará o burocrata. Podemos esperar até ouvir de novo que o povo brasileiro ainda não está preparado para a democracia. Ou seja, eles nos deram o direito de falar, alguns de nós talvez tenhamos abusado e eles vão tirar esse direito, pronto.
Vão tirar uma conversa, não vão tirar coisa nenhuma. O povo, assim ou assado, por esse canal ou por aquele, por um jornal mambembe ou jornalão, numa rádio fuleira ou em cadeia, na tevê do condomínio ou em rede nacional, vai continuar a poder falar mal do governo e a dar curso ao que ouve e vê escancaradamente todo santo dia, em tudo quanto é canto para que olhe. O governo não tem nenhum direito, quem tem direito é o cidadão. Não se cumpre, mas está escrito e um dia se cumprirá: “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.” Qualquer coisa que o governo faz só tem legitimidade se alicerçada na vontade popular. Dirão que tal vontade é expressa pelos representantes eleitos. Está certo, mas representantes eleitos que estão aí porque sua existência institucional contou com uma imprensa capaz de avaliar, criticar e denunciar. Vamos ter responsabilidade com denúncias, não vamos antecipar julgamentos, mas não vamos calar a boca, nem obedecer a manual de burocrata. Eu não vou calar a boca, ainda mais diante de um Estado que não só toma essa iniciativa como preparou, quase à sorrelfa, um plano cultural solertemente dirigista e assustadoramente policialesco. Mas que não há de prosperar. Porque, como mostrou a imprensa, nesse e em tantos outros casos, temos mente, boca e voz livres, e não foram um presente do Estado. O direito a elas é parte de nossa essência e nenhum conjunto de aspirantes a tiranetes o vai cassar. JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:38 PM
Merval Pereira 21 08 2004 Visão nacional do Rio



A eleição municipal no Rio de Janeiro contrapõe dois pólos políticos que ganharam proeminência nacional e estarão em confronto na eleição presidencial de 2006: o grupo do ex-governador Garotinho e o do atual prefeito Cesar Maia, candidato favorito à reeleição. A força política de Garotinho não parece capaz de eleger seu candidato na capital, o ex-prefeito Luiz Paulo Conde. Mas, no interior, o PMDB faz contas de dominar pelo menos 70 dos 92 municípios, o que daria ao grupo o controle de 80% do estado.
O prefeito Cesar Maia desdenha os números, pois diz que “infelizmente isso não é tão importante no Estado do Rio, já que todos os governadores, no dia seguinte à posse, passam a contar com dois terços dos prefeitos”. O fundamental para ele “é ter pontos de multiplicação em cada região do estado”. Em termos concretos, o PFL tem apenas 4,3% dos municípios do Rio de Janeiro.
Cada um, portanto, demonstrará sua força de maneiras distintas, e para tal tem também estratégias distintas de atuação. Garotinho tentou encontrar candidatos mais viáveis do que Conde -— chegou a combinar com Leonel Brizola uma candidatura à prefeitura, dias antes da morte do presidente do PDT.
Mas será mesmo Conde a enfrentar mais uma vez Cesar Maia, que vai para a reeleição com a popularidade em alta e o Favela-Bairro, que é citado em pesquisas como o programa com avaliação mais favorável pelo eleitorado carioca, como seu grande trunfo.
Como na campanha anterior, a disputa pela paternidade do projeto vai ser renhida, pois Conde foi quem implantou o Favela-Bairro quando ainda era secretário de Urbanismo, na primeira administração de Cesar Maia, e alega que o programa é concepção sua.
Assim como na economia no plano federal, o sistema de reeleição provocou uma continuidade curiosa nas políticas públicas do Rio de Janeiro. Na economia, estamos no décimo ano da mesma política, implantada a partir do Plano Real. No Rio, com a vitória de Cesar ou de Conde, será a quarta administração seguida sob o mesmo conceito urbanístico.
Para garantir sua permanência, o prefeito Cesar Maia tem aumentado a atuação na Zona Oeste, onde o grupo de Garotinho mostrou grande penetração na eleição para governador, quando sua mulher, Rosinha, se elegeu no primeiro turno. Os números mostram que a candidata Rosinha ganhou na cidade do Rio graças à grande votação que obteve na Zona Oeste.
O prefeito Cesar Maia garante que, reeleito, não será candidato ao governo do estado: pretende coordenar os jogos Pan-Americanos de 2007, e não pensa em abandonar o cargo no meio. A definição de Otávio Leite, do PSDB, como seu vice, seria um indício de que fala a verdade, já que não deixaria a prefeitura na mão de outro partido, mesmo aliado circunstancialmente.
É a situação inversa da prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, que quando insistiu em ter uma pessoa de seu partido e confiança no cargo de vice, deu indicações de que poderia disputar o governo de São Paulo se reeleita.
Cesar Maia, porém, não se desligou da disputa estadual. Segundo ele, “a desintegração da administração estadual — todas as suas funções sem exceção -— é de tal ordem, que cumpre, logo após as eleições, identificar nomes que poderiam assumir esta missão de agrupar em torno de um programa suprapartidariamente todas as forças políticas que pensem assim”.
Cesar, que tem preservado um relacionamento bastante próximo com o PT, para ter o apoio do partido num eventual segundo turno contra o grupo Garotinho, diz que “o PT certamente será ou poderá ser parte disso. Para tal, nenhuma força pode excluir a outra da cabeça da chapa. E mais: pode-se, no limite, identificar um quadro da sociedade, definir-se para ele uma cobertura partidária que ajude a produzir a unidade, e seguir com ela. Mas para ser competitivo, é necessário que esta decisão seja tomada até julho de 2005”.
Tudo indica que esta parceria com o PT é circunstancial, e Cesar Maia se prepara mesmo para ser o vice do PFL numa futura disputa presidencial contra Lula, provavelmente com um candidato do PSDB na cabeça. Perguntado sobre essa hipótese, o prefeito Cesar Maia diz que “no Brasil nenhuma eleição futura pode ser analisada sem que se tenha passado pela eleição imediata”. Segundo ele, nossa política “é extremamente volátil”.
Para exemplificar, lembra o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que corria o risco de abandonar a vida pública ao fim de seu mandato de senador “quando foi convidado pelo então presidente Itamar Franco para ser ministro da Fazenda, aceitou e aqui ficou por oito anos e continua sendo uma rainha no xadrez da política brasileira”.
O prefeito parece ter razão quanto à volatilidade da política brasileira. No momento, o PSDB passa por um rearranjo que pode levar o governador de São Paulo, tido até agora como o favorito do partido para disputar a Presidência da República, a se candidatar a senador por São Paulo. O candidato tucano para disputar com Lula em 2006 seria o senador Tasso Jereissati.
O ex-governador Garotinho, por sua vez, está organizando pessoalmente a estratégia para a disputa municipal, onde o PMDB tem 41 prefeituras, dominando quase 50% dos municípios do estado, e pretende ampliar esse domínio para cerca de 80%. Passadas as eleições municipais, Garotinho vai se preparar para impor-se no PMDB como candidato à Presidência da República. No entanto, ele diz que só sai candidato se Lula estiver mal situado nas pesquisas. Caso contrário, pretende aguardar uma próxima oportunidade, já que tem 43 anos e, segundo diz, o tempo corre a seu favor.
A possibilidade de Garotinho, que recebeu de cerca de 15 milhões de votos nas últimas eleições presidenciais, vir a ser candidato pelo PMDB, pode servir de moeda de troca para o partido na sua relação com o governo federal, o que foi a motivação original de sua aceitação no partido. Nesse caso, Garotinho não passaria de uma espécie de Itamar Franco de Lula, cristianizado pelo PMDB.
Diante de um governo Lula enfraquecido, porém, ele poderia se transformar em candidato à sucessão, desta vez de um partido organizado nacionalmente. Mas terá também que se manter viável como candidato nacional. No momento, essa situação não se desenha no horizonte: o governo Lula surfa no sucesso da economia, e Garotinho sofre desprestígio com o aumento da violência no Rio, estado que sua mulher governa e do qual ele é secretário de Segurança.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:35 PM
Miriam Leitão 21 08 2004 Conter a produção


As manifestações esta semana contra o leilão de petróleo refletem uma dúvida que existe dentro do próprio governo sobre o que é melhor fazer nessa área. A política escolhida pelo governo foi a de não se tornar um exportador de petróleo, por acreditar que têm que ser preservados recursos que podem ser necessários para o Brasil no futuro. O resultado disso pode ser uma redução nos próprios investimentos. A decisão do Conselho Nacional de Petróleo, no ano passado, ao fixar a política de exploração de petróleo, foi a de que o Ministério das Minas e Energia define qual é o ritmo de produção usando o conceito de reservas sobre produção. Como diz o texto da resolução: o MME “fixará a relação ideal entre reservas e a produção de petróleo e gás natural, dimensionando e priorizando a oferta de blocos que permita a produção de petróleo e gás natural necessária à auto-suficiência e manutenção de adequado volume de reservas”. Essa resolução significa que o governo não quer que o país seja um exportador de petróleo, por isso terá que calibrar a produção na medida exata das nossas necessidades. Diante dessa escolha, o governo deverá reduzir o ritmo destes leilões como o que aconteceu esta semana no Brasil. Leilão que, por seu sucesso, criou oportunidades de investimentos, avaliados pelo diretor-geral da ANP, Sebastião do Rego Barros, em 2 bilhões de reais; no mínimo.
O sinal de que queremos apenas chegar à auto-suficiência e depois administrá-la para não sermos um país exportador pode ser um freio no ritmo de investimento, o que é irracional por vários motivos. Um deles é que não querer descobrir novas reservas, para não ter que explorá-las, fará com que o Brasil sequer conheça o seu potencial no setor. A redução do ritmo de exploração e produção pode fazer com que o país alcance a auto-suficiência para perdê-la em seguida. Garante-se, agora, a produção de vários anos à frente. A produção nas áreas licitadas esta semana só ocorrerá em 2011, 2012, pelo cálculo mais otimista da ANP. Além do mais, o Brasil sempre precisará exportar parte do petróleo que produz e, também, importar — a menos que faça investimentos gigantescos em refino. A auto-suficiência está logo ali na esquina, deve ocorrer nos próximos anos, mas campos produtores de hoje já estão em declínio e a demanda tem aumentado. Na década passada, o Brasil teve um salto extraordinário: de 650 mil barris/dia, no começo dos anos 90, para 1,7 milhão de barris atuais. Ou seja, o Brasil precisará de novos e crescentes investimentos em petróleo e nem tudo pode — ou deve — ser feito apenas pela empresa estatal. Os cálculos da ANP indicam risco de novo déficit entre produção e demanda daqui a 15 anos. Por isso, o ritmo de leilões deve ser mantido; e não reduzido.
A preocupação entre especialistas é que este conceito de reservas sobre produção, se mal usado, possa levar a uma redução do ritmo de descobertas de novas reservas, o que é ruim para o país e até para a Petrobras. Só 3% da área prospectável para petróleo no Brasil estão em concessão para a Petrobras e cerca de 40 empresas privadas, muitas delas nacionais. O sinal que passa esta decisão de ser apenas e nada mais que auto-suficientes pode afastar futuros interessados em produzir petróleo no Brasil.
Será que estamos mesmo destruindo as reservas estratégicas? A convicção na ANP é que o Brasil é extremamente privilegiado em termos de área sedimentar, com potencial ainda pouco explorado nesse setor. Por isso, o mais inteligente seria aumentar o ritmo de exploração e não tentar reduzi-lo ou tentar contê-lo nos limites dessa idéia de administração da relação reservas/produção. No campo da energia, tudo está em mudança, principalmente as fontes usadas. O que é hoje um bem altamente valioso pode não ser no futuro. A alavanca ao crescimento que poderíamos ter, se nos tornássemos grandes produtores, traria mais benefícios do que guardar desconhecido um potencial maior de produção de petróleo.
Em todos os países, as grandes empresas produtoras de petróleo revendem para produtores menores campos que atingem a maturidade. A partir de um determinado ponto, é antieconômico para uma empresa de grande porte a exploração dos campos. O natural é a revenda para produtores menores. Eles nunca produzem quantidades grandes, mas trazem outros benefícios como pulverização de investimentos, alavancagem de pequenas e médias empresas e geração de emprego. Recentemente, a ANP realizou no Nordeste um seminário para mostrar as chances abertas pela exploração de campos maduros, mostrando os fortes impactos regionais que pode trazer essa exploração. Mas os representantes da Petrobras presentes no seminário jogaram uma ducha de água fria nos mais entusiasmados, avisando que, ao contrário do que ocorre em todas empresas grandes, a Petrobras não pretende abrir mão dos campos maduros. Na sexta rodada, houve oferta de campos maduros, mas o temor é que esta idéia de manter tudo sob seu controle por parte da empresa que detém ainda o monopólio da produção de petróleo possa inibir a atividade no futuro.
É dessa forma que vão se tomando as decisões irracionais na área de petróleo. A politização do assunto é um erro. Fortalecer os setores mais corporativistas da Petrobras é outro equívoco. Tudo isso vem do dilema inicial nunca resolvido pelo governo Lula: se ele é mesmo liberal em matéria econômica ou se mantém a crença no velho estatismo que o partido defendeu durante 20 anos. Os grupos políticos que se manifestaram esta semana contra o leilão o fizeram porque perceberam que há uma enorme chance de, explorando as contradições insanáveis do governo, mudar o modelo de exploração definido logo após o fim do monopólio, recriando, assim, a visão conservadora tradicional no partido do governo.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 5:34 PM
Villas-Boas Correa 20 08 2004 Getúlio ensina a Lula



Getúlio ensina a Lula
20.08.2004 Aliviado, eufórico e loquaz com os sucessos setoriais do governo, o presidente Lula soltou a língua, que nunca foi muito controlada, e anda a espalhar pelo mundo, nas viagens de todos os dias, que são um dos encantos e ocupações do exercício do cargo, frases, conceitos, comentários e expressões populares de gosto duvidoso e gritante inadequação, agravada pelas circunstâncias e locais em que são lançadas ao vento.
A penúltima foi a piada infeliz, incrustada em apreciação distorcida, ao rejeitar o pedido dos repórteres de uma breve entrevista com a justificativa de que nós, da imprensa, somos “um bando de covardes que não têm coragem de defender a criação do tal Conselho Federal de Jornalismo”.
Um instante de reflexão presidencial constataria a impropriedade da brincadeira, que vira o bom senso pelo avesso. Ou a fina ironia passou batida na reação irritada da maioria da nossa categoria. Para fazer as pazes com a lógica, forçando a barra até envergá-la, vamos admitir que o presidente driblou a conversa, reconhecendo que é preciso a bravura misturada com cinismo para que o jornalista que se preza e se dá ao respeito defenda a proposta, de translúcida inspiração peleguista, para a criação da arapuca, que promete uma gorjeta aos conselheiros catados na lata de despejo para abrir o caminho que sempre termina na censura à imprensa.
Adiante, que o monstrengo agasalhado pelo governo, que ainda se deu ao desfrute de piorá-lo antes de encaminhar ao Congresso, se não está morto e sepultado, caiu na gaveta dos esquecidos para longa hibernação.
Lula não perdeu o embalo. A recaída na visita ao Gabão – antes da viagem ao Haiti para assistir à partida amistosa da Seleção Brasileira de Futebol, remendada, mas que deu e sobrou para a vitória de 6 a 0 contra o modesto combinado local – é muito mais lamentável, de derrubar o queixo no pasmo do embaraço. Sem que ninguém pedisse, explicou os motivos da viagem com extravagante argumentação: “Eu fui ao Gabão para aprender como um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição”.
Os bajuladores de plantão acodem com a desculpa esfarrapada, a única disponível, de que se trata de uma brincadeira que não deve ser levada a sério. Afinal, Lula tem assegurado o direito de candidatar-se à reeleição em 2006. Mais uma razão para acautelar-se e não pilheriar com um país sem tradição democrática e que ainda passa o desapreço pela rotatividade do poder, incompatível com 37 anos de permanência de um mesmo presidente, que quer mais.
Os 50 anos do suicídio do presidente Getúlio Vargas não estão passando em branco. Poucas datas mereceram igual revisão histórica, na distância que estimula a isenção do reexame não apenas do gesto extremo, que mudou o rumo do país, depois de serenada a paixão, com os sobreviventes com os cabelos brancos e a fartura de documentos à disposição dos que não se satisfaçam com a extensa cobertura da imprensa e os inúmeros e enriquecedores debates, as conferências, palestras e mesas-redondas.
Certamente que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria muito a lucrar se dedicasse alguns vagares nos intervalos das suas viagens internacionais, dos seus giros domésticos ou no repouso do fim de semana, entre a pelada e o churrasco, a informar-se sobre um dos mais importantes políticos da história republicana, seus hábitos e métodos de trabalho. Comparando, no repasse da lição, com os descontos de meio século de fantásticas mudanças no Brasil e no mundo.
Não foi o sorriso do Velhinho, a sua simpatia, a ajuda do DIP calando a boca da imprensa durante o Estado Novo, de 37 a 45, que sustentaram a popularidade de Vargas, inclusive no declínio da crise deflagrada com o crime de Tonelero e a morte do major da Aeronáutica, Rubem Vaz, nome de rua na Gávea.
Getúlio é autor da sua melhor biografia. Salva pelos cuidados de sua filha predileta, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, e publicada pela diligência da sua neta Celina. De 1930 a 1942, encheu 13 cadernos com as anotações diárias, redigidas na letra inconfundível, da sua rotina de trabalho, enriquecidas com comentários sobre os assuntos mais importantes, desabafos e intimidades surpreendentes. É o mais importante e completo depoimento do solitário e infatigável trabalhador. Certamente que jamais passou pela sua cabeça a hipótese de publicação da conversa a porta fechada com os seus botões. Em vida, ninguém sequer viu os cadernos escondidos no fundo da gaveta. Depois da sua morte, na montanha de papéis recolhidos pela filha, os cadernos foram encontrados anos mais tarde. A neta ilustre, com a dignidade ética da sua formação profissional, decidiu pela publicação, em 1995, pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, respeitando o texto integral, sem o corte de uma vírgula.
O ditador e o presidente eleito pela Assembléia Constituinte de 1934 mantiveram os hábitos do despacho do expediente de cada dia, em serões solitários ou apenas com um assessor, que varavam a noite e engoliam as madrugadas. Nenhum processo dormia na gaveta. No máximo eram deixados para o dia seguinte, nos raros casos mais complicados. O governo andava cutucado pelas cobranças do chefe atento.
Além do horário extenso, Vargas cumpria a rotina fundamental dos despachos com os seus ministros e diretores de autarquias e serviços importantes. Em vez dos 35 ministros e secretários do estilo cortiço, apenas oito ministros nos primeiros anos, passando da dezena com a criação de mais dois ou três ministérios, entre os quais o do Trabalho.
Viajar, discursar na cadência do improviso, complementam o pesado fardo administrativo.
Mas o governo oral é uma excentricidade que não dá certo. Com ou sem piadas e gracinhas.
Getúlio falava pouco. Seguia o ditado popular que ensina a não engolir insetos.
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 12:09 AM
Villas Boas Correa 20 08 2004 Moscas e bocas



Moscas e bocas
Aliviado, eufórico e loquaz com os sucessos setoriais do governo, o presidente Lula soltou a língua, que nunca foi muito controlada, e anda a espalhar pelo mundo, nas viagens de todos os dias, que são um dos encantos e ocupações do exercício do cargo, frases, conceitos, comentários e expressões populares de gosto duvidoso e gritante inadequação, agravada pelas circunstâncias e locais em que são lançados ao vento.
A penúltima amostra foi a piada infeliz, incrustada em apreciação distorcida, de rejeitar o pedido dos repórteres de uma breve entrevista com a justificativa de que nós, da imprensa, somos ''um bando de covardes que não têm coragem de defender a criação do tal Conselho Federal de Jornalismo''.
Um instante de reflexão presidencial constataria a impropriedade da brincadeira, que vira o bom senso pelo avesso. Ou a fina ironia passou batida na reação irritada da maioria da nossa categoria. Para fazer as pazes com a lógica, forçando a barra até envergá-la, vamos admitir que o presidente driblou a conversa, reconhecendo que é preciso a bravura misturada com cinismo para que o jornalista que se preza e se dá ao respeito defenda a proposta, de translúcida inspiração peleguista, de criação da arapuca, que promete uma gorjeta aos conselheiros catados na lata de despejo para abrir o caminho que sempre termina na censura à imprensa.
Adiante, que o monstrengo agasalhado pelo governo, que ainda se deu ao desfrute de piorá-lo antes de encaminhá-lo ao Congresso, se não está morto e sepultado, caiu na gaveta dos esquecidos para longa hibernação.
Lula não perdeu o embalo. A recaída na visita ao Gabão - antes da viagem ao Haiti para assistir à partida amistosa da Seleção Brasileira de Futebol, remendada, mas que deu e sobrou para a vitória de 6 a 0 contra o modesto combinado local - é muito mais lamentável. Sem que ninguém pedisse, explicou os motivos da viagem com extravagante argumentação: ''Eu fui ao Gabão para aprender como um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição''.
Os bajuladores de plantão acodem com a desculpa esfarrapada, a única disponível, de que se trata de uma brincadeira. Afinal, Lula tem assegurado o direito de candidatar-se à reeleição em 2006. Mais uma razão para acautelar-se e não pilheriar com um país sem tradição democrática e que ainda passa o desapreço pela rotatividade do poder, incompatível com 37 anos de permanência de um mesmo presidente e que quer mais.
Os 50 anos do suicídio do presidente Getúlio Vargas não estão passando em branco. Poucas datas mereceram igual revisão histórica, na distância que estimula a isenção do reexame não apenas do gesto extremo, que mudou o rumo do país, depois de serenada a paixão, com os sobreviventes com os cabelos brancos e a fartura de documentos à disposição dos que não se satisfaçam com a extensa cobertura da imprensa e os inúmeros e enriquecedores debates, as conferências, palestras e mesas-redondas.
Certamente que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria muito a lucrar se dedicasse alguns vagares nos intervalos das suas viagens internacionais, os seus giros domésticos ou no repouso do fim de semana, entre a pelada e o churrasco, a informar-se sobre um dos mais importantes políticos da história republicana, seus hábitos e métodos de trabalho. Comparando, no repasse da lição, com os descontos de meio século de mudanças no Brasil e no mundo.
Não foi o sorriso do Velhinho, a sua simpatia, a ajuda do DIP calando a boca da imprensa durante o Estado Novo, de 37 a 45, que sustentaram a popularidade de Vargas, inclusive no declínio da crise deflagrada com o crime de Tonelero e a morte do major da Aeronáutica Rubem Vaz, nome de rua na Gávea.
Getúlio é autor da sua melhor biografia. Salva pelos cuidados de sua filha predileta, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, e publicada pela diligência da sua neta Celina. De 1930 a 1942, encheu 13 cadernos com as anotações diárias, redigidas na letra inconfundível, da sua rotina de trabalho, enriquecidas com comentários sobre os assuntos mais importantes, desabafos e intimidades surpreendentes. É o mais importante e completo depoimento do solitário e infatigável trabalhador. Certamente que jamais passou pela sua cabeça a hipótese de publicação da conversa a porta fechada com os seus botões. Em vida, ninguém sequer viu os cadernos escondidos no fundo da gaveta. Depois da sua morte, na montanha de papéis recolhidos pela filha, os cadernos foram encontrados anos mais tarde. A neta ilustre, com a dignidade ética da sua formação profissional, decidiu pela publicação, em 1995, pelo CPDOC, da Fundação Getúlio, respeitando o texto integral.
O ditador e o presidente eleito pela Assembléia Constituinte de 1934 mantiveram os hábitos do despacho do expediente de cada dia, em serões solitários ou apenas com um assessor, que varavam a noite e engoliam as madrugadas. Nenhum processo dormia na gaveta. No máximo eram deixados para o dia seguinte, nos raros casos mais complicados. O governo andava, cutucado pelas cobranças do chefe atento.
Além do horário extenso, Vargas cumpria a rotina fundamental dos despachos com os seus ministros e diretores de autarquias e serviços importantes. Em vez dos 35 ministros e secretários do estilo cortiço, apenas oito ministros nos primeiros anos, passando da dezena com a criação de mais dois ou três ministérios, entre os quais o do Trabalho.
Viajar, discursar na cadência do improviso, complementam o pesado fardo administrativo. Mas o governo oral é uma excentricidade que não dá certo. Com ou sem piadas e gracinhas.
Getúlio falava pouco. Seguia o ditado popular que ensina a não engolir insetos.
villasbc@unisys.com.br
[20/AGO/2004]
Publicadoem: Sat, Aug 21 2004 12:08 AM

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