A economia dos Estados Unidos mostrou um desempenho melhor no terceiro trimestre, crescendo à taxa anualizada de 2,5%, e isto deverá prosseguir por mais um trimestre. Entretanto, as famílias continuam excessivamente endividadas, com a necessária desalavancagem inibindo o crescimento do consumo.
O estoque de casas continua alto; a demanda por casas não reage; e a taxa de inadimplência de hipotecas é cinco vezes maior do que em anos normais, mesmo com as taxas de juros mantidas baixas pelo Federal Reserve. Politicamente, o governo Obama não tem mais a capacidade de utilizar o instrumento fiscal, e ainda que o Federal Reserve adote uma nova rodada de expansão quantitativa, sua eficácia na elevação da demanda deverá ser pequena, como é atestado pelos fracos resultados da expansão quantitativa recentemente encerrada.
O quadro na Europa é bem mais grave.Mesmo com a redução de 50% de sua dívida pública, a Grécia tem à frente um caminho árduo. O custo do ajuste imposto à sociedade é enorme, levando à queda do produto e do emprego, e reduzindo o apoio político ao governo. O desemprego nos países da periferia do euro é muito mais alto do que na Alemanha e na França, mas são exatamente os países da periferia que terão de executar uma forte austeridade fiscal.Esse ajuste os empurra para a recessão e para a deflação, da qual não podem escapar, nem mesmo diante da queda da taxa de juros promovida pelo BCE, porque não podem elevar a competitividade depreciando amoeda, dado que não têm uma moeda própria.
Cresce, assim, o distanciamento entre: a Alemanha, que é o grande beneficiário do euro, que é uma moeda mais fraca do que era o Deutsche Mark, elevando sua competitividade; e os demais países, para os quais o euro é mais forte do que suas moedas originais, inibindo o aumento de exportações. Por isso, a Alemanha tem superávits nas contas correntes contra déficits nos países da periferia, e sua produção industrial está entre as que mais cresceram após a crise de 2008/2009, enquanto que a produção da Espanha, por exemplo, não mostrou qualquer recuperação.
A perspectiva é de que a Europa terá de amargar, por um longo período, um crescimento pior do que o dos Estados Unidos. Vários países na Europa mostrarão recessões; e é grande a probabilidade de que, no próximo ano, o continente europeu mostre uma queda do produto.
Transmissão. Embora não saibamos precisamente quais são os canais de transmissão, a desaceleração do crescimento brasileiro é parcialmente gerada por este quadro internacional. Ela é mais forte na indústria do que no setor de serviços, sugerindo que, em parte, o efeito negativo vem da combinação da valorização do real com a estabilidade dos preços em dólares de produtos importados, que competem com a produção doméstica.
Porém, somente o comércio internacional não consegue explicar a desaceleração doméstica, que é um fenômeno difuso que, no entanto, é identificável observando os indicadores financeiros.
Convido a quem se dispuser a realizar o exercício que compute os ciclos do Ibovespa em torno de sua linha de tendência, comparando-os com os ciclos da produção industrial brasileira em torno da sua respectiva linha de tendência.
É surpreendente a elevada correlação positiva entre os dois indicadores.
Porquê? A piora das condições de demanda, que ocorre simultaneamente em todos os países, é percebida com antecipação por parte dos empresários, o que derruba os preços das ações antes que ocorra a queda na produção. Os ciclos nos preços das ações são um indicador antecedente dos ciclos na produção, e seu comportamento indica que ainda assistiremos novas desacelerações no crescimento brasileiro em resposta à desaceleração internacional atualmente em marcha.
O que se delineia é um período de baixo crescimento no Brasil, que poderá ser amortecido, mas não totalmente evitado. A melhor reação de política econômica, nesta circunstância, é baixar a taxa de juros ao lado da manutenção de elevados superávits primários.
O estímulo vai para o setor privado, que, quando erra, é punido pelo mercado, evitando desperdícios que levem à queda de produtividade, em vez de ir para o governo, que apenas colhe um aumento de popularidade sem qualquer beneficio para a produtividade.
A possibilidade de baixar a taxa de juros vem do fato de que, ao transmitir se para o Brasil a desaceleração internacional, reduz a taxa neutra real de juros - a que equilibra oferta e demanda.
Comisso, a taxa real de juros de mercado pode cair sem elevar a inflação. Mas ainda que a queda da taxa real de juros seja aplaudida por empresários brasileiros e por governantes de países desenvolvidos, que querem ver o Brasil (e os demais países emergentes) assumindo a mesma posição de "consumidor de última instância" detida pelos EUA nos anos de juros baixos que construíram a presente crise, teremos taxas baixas de crescimento econômico.
Queda transitória. Contudo, é preciso cuidado para não jogar fora o bebê junto com a água da banheira. Essa redução da taxa real neutra de juros não é permanente, nem autoriza que se busque uma trajetória pré-fixada de queda quando a inflação persiste acima da meta.
É, apenas, uma queda transitória, que se encerrará como fim da desaceleração mundial. Para reduzi-la de forma permanente teremos de: elevar a poupança doméstica por meio da redução dos gastos correntes do governo; diminuir expressivamente a dívida pública; e reduzir o crédito subsidiado, como o do BNDES. Teremos, ainda, de promover o aumento da eficiência produtiva, fazendo as reformas necessárias, como a da previdência e a tributária, acreditando menos no "poder do governo", e mais no "poder do mercado".
O outro risco vem da que da do suporte político ao regime de metas de inflação.
Atualmente, é consenso no mundo que os banqueiros centrais não devem olhar apenas para as metas de inflação, mas também para a saúde do sistema financeiro. Por isso, recomenda - se que medidas prudenciais sejam adicionadas à caixa de ferramentas dos bancos centrais, e usadas quando as economias se aquecerem, elevando o risco de bolhas como a que gerou a crise de 2008/2009.
Porém, uma vez aberta a "caixa de pandora", teremos de arcar com as consequências.Uma delas é a tentativa de dar ao Banco Central a tarefa explícita de perseguir metas para o crescimento econômico. Há indicações de que o governo deseja que o Banco Central se movimente nessa direção, e aforma confusa como este vem comunicando as suas decisões não ajuda em nada a eliminar a dúvida.
Há, por outro lado, uma proposição aprovada por unanimidade em uma comissão do Senado que visa dar ao Banco Central também o mandato de promover o crescimento, e que, segundo o seu autor, "reflete o desejo expresso da presidente da República".
Todos reconhecem que a política monetária bem executada escolhe a trajetória de taxa de juros que ao mesmo tempo: leve a inflação para a meta em um horizonte razoável; e minimize os custos em termos de perda do produto. Mas isso é muito diferente de impor ao Banco Central atarefa de perseguir metas quantitativas para o crescimento econômico, o que é incompatível com o controle da inflação.
Nos próximos trimestres, as taxas reais de juros no Brasil cairão, e ainda assim o crescimento econômico será medíocre. Por isso, surgirão pressões para que se busquem metas de crescimento, expondo-nos ao risco de manter a inflação permanentemente acima da meta, o que será um passo atrás relativamente aos progressos realizados nos últimos anos.