Entrevista:O Estado inteligente
Morrer como bebês PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 09/11/11
O psicanalista Paulo Sérgio Guedes é uma pessoa brilhante. E eu tenho um respeito enorme pelas pessoas brilhantes.
Aprendo a respeitar até o que discordo nas pessoas brilhantes.
Pois o Paulo Guedes sempre apregoou uma coisa que aparentemente é absurda: ele diz que Deus o livre de viver 80 anos.
Quis dizer que não quer encher de transtornos e incômodos sua mulher ou seus filhos com sua velhice.
Ele não está muito longe dos 80 anos, o que torna sua frase muito corajosa.
Sendo assim, o psiquiatra em referência fez um verso monumental no seu último livro: “É preciso morrer antes que termine a vida”.
Examine bem esse verso. O que ele quis dizer, em última análise, é que de nada adianta continuar vivendo se já se está morto.
Ou, então, que é necessário morrer, por mais absurdo que isso pareça, quando ainda se está vivo.
Eu entendo o Paulo Sérgio, espero que meus leitores também o façam.
Porque uma coisa é a vida útil, outra coisa é a vida vegetativa, alvo de doenças muito conhecidas que tiram do homem a memória e a consciência, por exemplo.
Há pessoas, a maioria delas, que dizem querer viver até os 90 anos. Não imaginam, passados os 85 anos, que se tornarão uns trambolhos, que só atrapalharão a vida dos outros.
É preciso, além de pensar em nós mesmos, pensar nos outros.
Nada mais somos nesta vida do que nós em relação aos outros.
Muito bom que atinjamos os 90 anos, que continuemos comendo, bebendo e indo passear no parque.
Mas e os outros, que terão de colocar comida e bebida em nossa boca e terão de nos carregar para o parque e nos trazer de volta após o passeio?
E os outros?
Acho mais lícito o seguinte sonho: “Deus me dê vida útil até os 80 anos!”.
Ou seja, que, se eu tiver de ser um ancião, que o seja, mas que não incomode com isso os outros.
Em última análise, temos o direito lícito de sermos felizes na velhice, desde que isso não custe a aflição dos que nos rodeiam.
Por isso é que, certa vez, eu escrevi que a vida está errada, nós tínhamos que nascer com 80 anos e ir diminuindo de idade, até virarmos crianças e morrermos como bebês.
Porque aos 40 anos estaríamos, enfim, ricos ou com vida econômica estável, prontos para desfrutarmos nossa poupança na juventude.
E, na juventude, não teríamos nenhum receio de ter de ser crianças em seguida.
E acabaríamos morrendo docemente, sem um gemido, assim como um carneiro, como bebês.
Está errado o curso invertido da vida.
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