Veja - 16/11/2011 |
As manchetes são pródigas em repetir que o país entrou numa fase de escassez aguda de mão de obra. As denúncias abundam: faltam tantos milhares de engenheiros disso ou daquilo. Mas será? Equívocos nos diagnósticos levam a equívocos nas terapias. Os economistas, uns chatos, talvez, começam sempre insistindo para que as definições sejam sólidas. De outra forma, o que parece desacordo é puro ruído semântico. O que é apagão? Se eu não encontro um encanador decente ao preço que quero pagar, isso é apagão? Ou, mais tecnicamente, é um sinal de escassez dessa mão de obra? Não, porque ninguém sabe quanto eu quero pagar. Se oferecer 1000 reais pela visita, terei tantos quantos queira. Se oferecer 10 reais, não aparecerá um só candidato. Para economistas puros-sangues, escassez é quando aumenta a demanda e, como resultado de mais gente querendo contratar, os salários sobem. Portanto, apagão se mede com variações de remuneração, seja ao longo do tempo, seja na comparação entre profissões parecidas.
Voltemos à pergunta: há apagão? Traduzindo, os salários subiram vertiginosamente? Tudo o mais é ruído. Algumas pesquisas recentes trazem respostas. Consideremos duas situações. A primeira é a das grandes obras no meio do nada. A explosão de indústrias no Porto de Suape, as usinas em São Luís, Belo Monte, o pré-sal e outras obras monumentais criam, da noite para o dia, demanda por dezenas de milhares de profissionais de todas as tribos, em regiões onde não há rigorosamente nenhuma oferta. A prova é que os salários disparam. A segunda situação é bem mais matizada. Para o país como um todo, pesquisas mostram salários praticamente estagnados para graduados de nível superior, em geral. Ou seja, não há apagão para gente com canudo debaixo do braço. A mesma estabilidade se observa para pessoas com menos escolaridade. Contudo, os salários dos engenheiros aumentaram, particularmente na construção civil e na informática. Curiosamente, não houve aumento de salários para engenheiros de petróleo e gás.
Nos níveis mais baixos, de fato, há também uma grande escassez de operários altamente qualificados, sobretudo na construção civil. E, mais ainda, dos seus chefes e supervisores. Técnicos e tecnólogos estão vendo seus salários aumentar. Ou seja, no geral, não há apagão de mão de obra, mas há profissões e níveis em que, realmente, a falta de gente é espantosa, sobretudo nas áreas técnica. A imprensa se equivoca, tomando por fenômeno generalizado o apagão das áreas que chamam atenção. Mas apagões em certos setores são reais. O que fazer? Na verdade, quem matou a charada foi o economista Albert Hirschman, em seu livrinho de 1958. Segundo ele, "desenvolvimento é uma cadeia de desequilíbrios. A escassez induz novos investimentos, criando novos desequilíbrios...". Ou seja, a solução de um gargalo faz a economia crescer bruscamente, criando novos gargalos em outros setores. O crescimento equilibrado, em que tudo cresce no mesmo ritmo, é uma quimera ou uma façanha somente possível se tudo cresce devagar. A pressa cria o desequilíbrio.
Segundo o próprio Hirschman, a solução já está embutida no processo. Quando se cria o apagão, duas coisas acontecem. Com os preços mais altos – no caso presente, para certos tipos de mão de obra –, passa a ser mais atraente investir na área em que apareceu o gargalo. Isso vai aumentar a oferta, acabando por eliminar o pico de escassez observado, ainda que leve tempo. Mas nem tudo se resolve pelo mercado. Em certos setores, a escassez irrita as pessoas, provoca reclamações e ativismo político. Esse é o caso no setor público, em que a escassez não cria salários mais altos. Contudo, tais movimentos reivindicatórios podem pôr em marcha iniciativas do estado para aumentar a oferta. Hirschman chama isso de "quase mercado", pois ocorre no campo político, embora produza os resultados do mercado. Ou seja, é o próprio apagão que cria as reações que vão eliminá-lo. É preciso que exista aumento de preços ou escassez aguda para que apareçam as manifestações políticas ou econômicas que vão pôr em marcha os processos que fazem expandir a oferta de mão de obra disso ou daquilo. A denúncia na imprensa e o pânico criado contribuem para que desapareça. São parte da solução, se diagnosticarem o apagão no lugar certo.
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Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, novembro 17, 2011
Apagão de mão de obra Claudio de Moura Castro
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