Insatisfação, desencanto, decepção e descrédito são as palavras que melhor explicam o sentimento expresso pelos jovens nas ruas. Rejeitam partidos políticos, sindicatos e a tal sociedade civil organizada, que expulsam das passeatas, arrancam e queimam suas bandeiras. A União Nacional dos Estudantes (UNE) nem ousa aparecer. Seria hostilizada, escorraçada. Hoje ela representa o que mais condenam - o mau uso e desperdício de dinheiro público (no caso da UNE, em benefício próprio) e o apoio a velhos políticos, há décadas encastelados no poder e dele tirando proveito.
As quatro palavras acima têm endereço certo: a classe política dirigente - presidentes, governadores, prefeitos, deputados, senadores, vereadores, juízes. E por mais que ainda sejam difusas as motivações dos protestos, ao gritarem que o País precisa de "hospitais e escolas com padrão Fifa", sintetizam o que querem: aplicação do dinheiro público com justiça social e a abolição de práticas políticas corruptas e irresponsáveis que enriquecem uns poucos e mantêm a população confinada na condição de pagadora de impostos para sustentar os privilegiados políticos dirigentes, seus amigos e aliados.
São muitos os caminhos por onde transitam práticas políticas condenáveis. Aqui tratarei de uma pouco conhecida dos jovens, pois os políticos costumam escondê-la: a má gestão dos organismos de Estado, apoiada no endividamento irresponsável, que atrofia o progresso econômico e penaliza a população com mais impostos e privação de serviços públicos essenciais (saúde, educação, saneamento, segurança).
Na segunda-feira, o diretor de distribuição da Eletrobrás, Marcos Aurélio da Silva, revelou à Agência Estado que aplicará um choque de gestão nas distribuidoras de energia de Amazonas, Alagoas, Piauí, Rondônia, Rio Branco e Acre, empurradas à força para a Eletrobrás depois que os respectivos governadores as destruíram, delas fazendo farto uso político e endividando-as para cobrir gastos de campanha eleitoral. Seus indicadores de perda de energia e qualidade de serviço são, de longe, os piores do País - só ficam à frente da CEA, do Amapá, transformada em caos financeiro pelos políticos locais, entre eles o senador José Sarney. Juntas, as seis somaram prejuízos de R$ 1,33 bilhão em 2012 (33% maior que em 2011) à Eletrobrás, causando perdas gigantes para a estatal na Bovespa e na Bolsa de Nova York. Para modernizar sua operação técnica, a Eletrobrás vai nelas injetar R$ 2 bilhões/ano e o Banco Mundial, mais R$ 1,4 bilhão. Para tentar vendê-las ao capital privado, o governo federal deve antecipar a renovação das concessões, que vencem em 2015 (em 2009 o ex-governador de São Paulo José Serra tentou e não conseguiu o mesmo com a Cesp).
Conclusão: os sucessivos governadores desses Estados passaram décadas retirando dinheiro (chamavam de empréstimos) das distribuidoras para suas campanhas eleitorais, fornecendo energia gratuita a prefeitos em troca de apoio político, não pagavam à Eletronorte pela energia recebida, não investiam nas empresas e tornaram-nas ingovernáveis. Com a intervenção da Eletrobrás, livraram-se das dívidas, mas não perderam a influência política. Seguem nomeando parentes, amigos e aliados para cargos estratégicos nas empresas. Nunca foram punidos. Punida foi a população, com energia ruim, falta de investimento privado, desemprego e péssimos serviços públicos.
Pior do que elas só a CEA, do Amapá, que há dez anos fatura dos consumidores, mas não paga à Eletronorte pela energia que recebe e distribui. A dívida acumulada já soma R$ 1,8 bilhão e a qualidade do serviço consegue ser pior do que das seis distribuidoras da Eletrobrás. Em 2007 a Aneel pediu ao governo federal a cassação da concessão da CEA, mas a influência do senador José Sarney foi mais forte e o ex-presidente Lula ignorou o pedido. Agora o governo do Amapá acaba de receber R$ 2,8 bilhões do BNDES para começar a pagar a dívida. São fatos como esses que jovens indignados nas ruas querem varrer da vida do País.
* SUELY CALDAS É JORNALISTA E PROFESSORA DE COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO. E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR.