Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 11, 2007

''''Por agora não pudemos''''

Jarbas Passarinho



A maioria da mídia, ao tratar da rejeição na Venezuela do referendo que, aprovado, inauguraria o "socialismo do século 21", enfatizou, dentre as 69 emendas à Constituição, a das reeleições presidenciais ilimitadas, possibilitando a Hugo Chávez ser eleito indefinidamente. Ora, a reelegibilidade não significa reeleição garantida e o candidato a mais uma reeleição pode ser derrotado. O mais sério das reformas é a sua vinculação marxista.

Marx e Engels escreveram no Manifesto Comunista de 1848: "A teoria dos comunistas pode-se sintetizar numa simples sentença: abolição da propriedade privada." Chávez classificou as propriedades em cinco espécies: coletiva e pública (cópias das fracassadas kolkoses e sovkoses soviéticas), sociais e mistas, e a propriedade privada, sujeita a expropriação ou partilha. Quem tem duas casas, ou apartamentos, perderia um imóvel para o governo, e quem só tem um ficaria obrigado a partilhá-lo com uma família de até três pessoas, com direito ao uso de todos os serviços domésticos. As empresas, comerciais ou industriais, uma vez expropriadas, receberão indenização de 5% do valor de mercado, no prazo de 20 anos.

Fidel observou à risca a máxima de Marx. Há 48 anos criou uma sociedade que tem sido sempre pobre e vive de racionamento de alimentos, exceto para a burocracia política. Chávez é um Fidel com fartos petrodólares, que aplica como lhe apraz, ora pagando US$ 5 bilhões por bônus desvalorizados da Argentina, devido ao calote de 75% da dívida externa, ora investindo em seus candidatos preferidos nas eleições presidenciais de países andinos, em troca de sua aliança.

De fanfarrão o chamou Vargas Llosa, mas o que pensava ser bazófia é ação, determinação e arrogância típica de caudilho. Embora sugerindo modernidade no que batiza de "socialismo do século 21", o que propôs não passava de cópia, em parte adulterada, das medidas adotada por Lenin logo nos primeiros dias após o êxito da revolução de outubro de 1917. Orlando Figes, em seu clássico A Peoples?s Tragedy, escreve que muitos eventos que marcaram o século 20 foram obra de líderes excepcionais. "Sem Lenin, não teria existido a União Soviética", afirma. Chávez pretende ser o líder do socialismo do século 21, moderno. Mas moderno, sim, é o comunismo chinês, que desde Deng Xiaoping, no último quartel do século 20, adotou um oxímoro ideológico: o socialismo de economia de mercado, que transformou a China numa potência econômica mundial.

Chávez simulou conduta democrática ao aceitar inicialmente a primeira derrota eleitoral que sofreu. Logo, todavia, disse que iria repetir as palavras ao anunciar a derrota em 1992: "Por agora não pudemos." O advérbio sugere que insistiria. No dia imediato, arrependeu-se da farsa. Menosprezou a vitória dos adversários apelando para a chulice: "Tiveram uma vitória de m..." Em face da estranheza geral da imagem de cloaca, seu ministro das Comunicações defendeu a linguagem soez: "Ela é patrimônio cultural da Venezuela." Decerto, esse patrimônio exclui a locução "vitória de Pirro", caracterizadora da vitórias fatais para o vitorioso, mais adequada a educados que não cavalariços em suas querelas.

O viés comunista das emendas influiu na rejeição do referendo. O general Raúl Baduel, decisivo para abortar o golpe contra Chávez, que durou poucos dias, rompeu com ele, pois é socialista democrata. Viu nas emendas, votadas por um Parlamento constituído só de adeptos de Chávez, um golpe para instalar na Venezuela o socialismo despótico, a exemplo do que fez Lenin, vitoriosa a Revolução Bolchevique na implantação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, um amálgama de considerável número de Repúblicas. Sonha Chávez realizar o mesmo com sua "revolução bolivariana", do mesmo modo que sonhou Bolívar quando pretendeu que todas as nações libertas do jugo espanhol (o Novo Mundo) se unificassem sob um só governo republicano.

O anticomunismo, certamente, pesou na votação, como pesou no Brasil, em 1964, no que um marxista historiador honesto, Jacob Gorender, chama de "golpe preventivo", reclamado pela sociedade civil. O capítulo 8, O Poder Escapou das Mãos (páginas 165/69), do livro Prestes, Lutas e Autocríticas, ditado por Prestes a Dênis de Moraes e Francisco Viana, revela a íntima aliança de Prestes com Goulart nas articulações pré-revolucionárias, contemporâneas da revolta armada dos sargentos da Marinha e da Aeronáutica, em Brasília, em setembro de 1963, sufocada pelo Exército, com mortes e feridos, e o motim dos marinheiros, no fim de março de 1964, no Rio de Janeiro. A revelação desmoraliza as versões esquerdistas de que a aliança de Jango com os comunistas foi invenção.

Prestes não apenas influía, mas chegou até a ordenar o bombardeio do Palácio das Laranjeiras, de Carlos Lacerda, no dia 31 de março de 64, o que não se deu "porque todos os generais haviam mudado de lado". Persuasivo, confessa que "Jango já compreendia o papel da União Soviética". E estávamos em plena guerra fria!

A oposição a Chávez, que ganhou força depois da derrota eleitoral dele, denuncia que o caudilho já tem um "plano B", inconstitucional, para renovar as emendas marxistas por decreto, usando a Lei Habilitante, que, porém, como as nossas medidas provisórias, não pode alterar norma constitucional. Como a Constituição proíbe reapresentar projeto de reforma no mesmo período do mandato presidencial, outra manobra é revogar a proibição constitucional. Ele não hesitará em violar a Constituição, mas pode dar-se mal e terminar do mesmo modo que os caudilhos anteriores, depois de longos governos ditatoriais. No lixo da História.

Arquivo do blog