Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 11, 2007

Lula na Venezuela e na Bolívia

Rubens Barbosa



A Venezuela e a Bolívia vão receber a visita do presidente Lula em momento particularmente delicado do processo político interno daqueles países.

Recém-saído de um referendo, cujo resultado adiou, pelo menos por ora, os planos de implantação do socialismo bolivariano, Hugo Chávez num primeiro momento havia aceitado democraticamente o resultado da consulta popular. Recuperado da surpresa, determinou a seus seguidores que se preparem para uma nova iniciativa visando a reintroduzir, por meio de ação "popular", as propostas de mudanças constitucionais. Formalmente, tudo de acordo com a legislação que permite a modificação da Constituição por iniciativa da Assembléia Constituinte, do presidente e por um número não menor que 15% dos eleitores inscritos. Há, contudo, um pequeno detalhe: a Carta Magna não permite duas tentativas de reforma constitucional num mesmo mandato, não importando de quem seja a iniciativa.

De qualquer forma, conforme a legislação em vigor, a Lei Habilitante, Chávez poderá aprovar, se quiser, boa parte das reformas recusadas pelo referendo.

Graças ao preço do petróleo, o presidente Lula encontrará um país em crescimento (cerca de 8% em 2007). Esse boom econômico coloca a Venezuela, hoje, como o país mais rico da América do Sul (US$ 10.169 de renda per capita), segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), mas com os problemas econômicos se avolumando, como a espiral inflacionária (mais de 19% em 2007), aumento de impostos, insegurança jurídica dos contratos e desabastecimento interno (gêneros alimentícios em falta nos supermercados), o que pode explicar em parte o enfraquecimento da base de apoio de Chávez (o referendo foi derrotado em diversas das regiões mais pobres de Caracas, até então consideradas redutos chavistas).

O intercâmbio comercial com a Venezuela está crescendo, devendo gerar em 2007 um superávit de perto de US$ 4 bilhões, com boas perspectivas de incremento de nossas exportações, dadas as dificuldades de abastecimento doméstico. As conversações da Petrobrás com a PDVSA, segundo se informa, não avançam e estão em suspenso as parcerias na exploração das reservas do campo de Carabobo, no megagasoduto e na construção de refinaria em Pernambuco.

Um dos tópicos do encontro deve ser o ingresso da Venezuela no Mercosul. Dada a controvérsia no Congresso Nacional, o governo Lula optou por adiar para 2008 o exame da aprovação do Protocolo de Adesão da Venezuela. Levando em conta a relevância do mercado venezuelano para o setor exportador e de serviços dos países do Mercosul, a Fiesp manifestou-se no sentido de que as condições em negociação para o ingresso da Venezuela devem ser concluídas antes da aprovação do referido protocolo pelo Congresso.

A posição de Chávez sobre o Mercosul, a constituição do Banco do Sul e as tensas relações com a Colômbia serão elementos importantes para testar a habilidade e a efetividade de Lula como um fator moderador das atitudes do presidente venezuelano.

A decisão de Chávez de respeitar a vontade da maioria em referendo tão importante para a implementação de sua agenda interna reforçaria as declarações do presidente Lula de que nunca houve tanta democracia na Venezuela. No entanto, as recentes declarações escatológicas de Chávez e sua advertência de que vai buscar apoio popular para modificar a Constituição vão em sentido contrário e colocam novas interrogações sobre as perspectivas democráticas de um país rachado ao meio sobre esse tema.

Quanto à Bolívia, as dificuldades na votação da CPMF no Senado evitaram a chegada de Lula dois dias antes da aprovação da Constituição de legalidade duvidosa, sem a participação da oposição, impedida de entrar no recinto. Adiada para o dia 17, o presidente Lula chegará a La Paz em meio à turbulência política e à ameaça de confronto com as províncias que se opõem ao presidente Evo Morales.

O governo brasileiro pretende levar uma agenda positiva ao governo boliviano, apesar das medidas que determinaram a expropriação manu militari das refinarias da Petrobrás, das ações discriminatórias contra brasileiros que vivem nas regiões limítrofes com o Brasil, das atitudes contrárias aos interesses nacionais, como a campanha contra o etanol e a quebra do contrato de fornecimento de gás e da fixação dos preços, acarretando um significativo aumento no preço interno no Brasil.

As principais propostas que serão apresentadas em La Paz incluem a retomada dos investimentos da Petrobrás (US$ 40 milhões) em joint venture com a YPFB, o financiamento de obras de infra-estrutura e o pólo gás-químico. Segundo se noticia, escaldado pelos descumprimentos contratuais recentes, o governo brasileiro pretende fixar regras com garantias para os empréstimos, que serão concedidos em condições favorecidas. Uma das possibilidades aventadas seria a obrigação de fornecimento regular do gás boliviano ao Brasil.

Enquanto o governo brasileiro promete continuar a fazer concessões (como a aceitação da nacionalização das refinarias sem nenhuma reação), Morales avisa que vai fazer novas modificações na Lei dos Hidrocarbonetos, com previsíveis conseqüências adicionais sobre os interesses da Petrobrás.

É notória a insegurança jurídica causada pelo descumprimento de contratos pelas autoridades bolivianas e arriscado confiar nos compromissos, muito acima da capacidade de produção interna, assumidos pela Bolívia com Argentina, Índia e Brasil para o fornecimento de gás. Mais esse gesto de generosidade de parte do governo brasileiro poderá, nos próximos anos, gerar mais problemas do que soluções para Brasília, para os consumidores de gás e para o contribuinte, que estará financiando um governo nem sempre simpático aos nossos interesses.

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