Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 02, 2007

A política econômica já mudou. Para pior

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O afastamento, pelo Ipea, de economistas críticos do governo foi percebido como parte de uma estratégia para mudar a política econômica, mas se esta for tomada em seu conceito amplo a mudança já aconteceu. E ficou pior.

A expressão "política econômica" abrange três áreas: a fiscal (tributos, gastos, déficit e endividamento), a de comércio exterior (tarifas, acordos de comércio, e promoção e defesa comercial) e a monetária (juros e inflação). No Brasil, a expressão costuma ser restrita à política monetária, a qual influencia a taxa de câmbio.

Nesse conceito amplo, a política econômica do segundo mandato de Lula não é a mesma do primeiro. A meta de superávit primário caiu, o ritmo de queda relação dívida pública/PIB diminuiu e a expansão dos gastos correntes se acelerou. O Ministério da Fazenda se tornou tolerante à inflação e defendeu a meta de 4,5% para 2009, maior do que a inflação corrente, caso inédito entre todos os países que adotam o regime.

A essas evidências somam-se o apoio à equivocada proposta do Banco do Sul - mais uma pérola do caudilho Chávez - e a criação de um fundo soberano pelo Brasil, que não tem pé nem cabeça.

A trama para mudar a política econômica mira um de seus componentes, qual seja a política monetária. O objetivo seria forçar medidas para gerar uma combinação de juros baixos e câmbio alto. O expurgo e as declarações do presidente do Ipea, para quem a mudança estaria em curso de forma gradual, já afetam avaliações de risco e a confiança dos mercados na continuidade da gestão macroeconômica responsável.

Evidências da provável reviravolta foram mostradas pelo jornalista Cristiano Romero em sua coluna no Valor (21/11/2007). Romero listou os economistas que chegaram ao governo depois da substituição de Antônio Palocci por Guido Mantega na Fazenda e neles identificou um DNA comum: a crítica à política monetária. Daí o cerco ao Banco Central, que passou a viver uma piora do ambiente hostil em que atua desde que Lula se tornou presidente.

Até aqui, a política monetária foi preservada graças à percepção de Lula e de alguns gatos-pingados (como o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo) dos riscos da guinada. A mudança poderia destruir a estabilidade econômica e a credibilidade do Banco Central, duramente conquistadas. Haveria deterioração do ambiente econômico e fuga de investidores. Do lado político, ocorreria forte queda da popularidade do presidente.

A autonomia operacional do BC foi um longo processo, iniciado com as reformas da segunda metade dos anos 1980. O Copom (1996) institucionalizou o modo de decidir sobre a taxa de juros (Selic). O regime de metas de inflação e a divulgação das atas do Copom e do Relatório de Inflação (1999), entre outras medidas, tornaram previsíveis as decisões do comitê, como acontece nas economias desenvolvidas.

Intervenções na política monetária para atender demandas de ruptura seriam instantaneamente detectadas. Os seus riscos seriam precificados pelos mercados, gerando incertezas que em ondas sucessivas chegariam ao eleitor, especialmente pelos temores de volta da inflação, perda do emprego e redução da renda.

Mais do que ninguém, o BC tem a noção das conseqüências danosas dessa mudança. Assim, a reação natural à ordem para mudar a política monetária seria a renúncia de seu presidente, Henrique Meirelles, e da totalidade ou da maioria dos diretores do banco. A crise de confiança recrudesceria. Piorariam as expectativas, particularmente dos segmentos mais pobres, que aprenderam a detestar a inflação.

Inadvertidamente e mal assessorado, Lula pode derrogar a autonomia operacional do BC, determinando a redução da Selic e medidas para depreciar o câmbio, como o controle de capitais. A experiência tem mostrado, felizmente, que nesse território o presidente é mais esperto do que grande parte dos membros de seu governo.

Dificilmente Lula apoiaria a trama contra a política que contribuiu decisivamente para sua reeleição. Por ora, tudo pode não passar de desejos dos auto-intitulados "desenvolvimentistas" (ou seria melhor chamá-los de "inflacionistas"?). A mudança da política econômica prejudicará o potencial de crescimento, mas o abandono da política monetária, um desastre, parece estar a salvo da insânia.

*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)

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