Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 02, 2007

Pela 10ª vez, a Rodada Doha morreu

Alberto Tamer


As negociações da Rodada Doha têm um novo prazo para acabar. Dezembro de 2008. Foi isso o que deu a entender, na sexta-feira, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy. É o fim do fim porque naquele mês, George W. Bush terá apenas mais alguns dias para entregar o cargo a um novo presidente que nada poderá fazer porque, além de ter problemas mais urgentes, não pode assinar acordo sem a aprovação do Congresso. E sem os Estados Unidos, o maior importador mundial e o que mais tem se oposto a Doha - prefere acordos bilaterais -, não há acordo. Além disso, a União Européia já disse que não faz nada enquanto não se entender com os americanos.

NOS ENROLARAM...

É um fim do fim nem triste nem bisonho, é o que é e todos sabiam que ia ser e foi.

Para o Brasil, nem é uma surpresa, a não ser para nossa diplomacia, a única que acreditava num acordo impossível. E impossível porque desde o reinício das negociações, em 2001, estava mais do que evidente que nem os EUA nem a Europa iria ceder um milímetro sequer.Ao contrário, os EUA vieram com novas pretensões, só fariam concessões para os países agroexportadores se estes também liberassem seus mercados industriais e agrícolas - sim, agrícolas - para os produtos americanos. Sem hesitar, a União Européia foi atrás porque, ambos, Europa e EUA, estavam lutando para evitar a desaceleração econômica, não aceitariam nada que pudesse prejudicar seus produtores.

Querem saber a verdade? Eles nos enrolaram, pobre inocentes, esses anos todos...

NÃO RECUA, NEM AVANÇA

Para o Brasil, esse adiamento decantado não surpreende e nem é fatal, mas pesa muito pois nossas exportações continuam sendo sustentadas pela agroindústria. Sem a Rodada Doha, sem acordos bilaterais, quando muito nossas vendas externas ficarão limitadas nos níveis atuais, com os empresários adaptando-se, ou melhor, sujeitando-se a uma situação que já não era nova. Mas vamos perder mercado pois, com o rompimento da Rodada Doha, nossos competidores ficam livres para continuar subsidiando vigorosamente suas exportações em franco desafio, que os nossos empresários, já punidos pelo dólar, com muito custo conseguem enfrentar.

CHINA VIRA AS COSTAS

Mas não são apenas os EUA e a Europa. Também a China, que, ao contrário de nós, nunca ligou para Doha. Seu representante só falou quando sentiu que o acordo poderia ser prejudicial. Disse não, fechou a pasta e voltou para casa. Afinal, tinha tarefas mais urgentes do que ficar parlapateando, como, por exemplo, negociar com os EUA e a União Européia, isoladamente, cujas importações absorvem mais de US$ 800 bilhões.

Se alguém queria o sucesso da Rodada Doha, errou. Estranhamente fez tudo para que isso não acontecesse.

NÃO FOI CULPA NOSSA

Seria injusto afirmar que nós não tentamos ajudar. Falamos muito, sim, até a rouquidão. Eles pediram muito no setor agrícola e agora industrial e ofereceram pouco. Estavam certos, pois defendiam os seus interesses. Nós só erramos em continuar acreditando que haveria um acordo, quando ninguém mais acreditava nisso. Ficamos parlapateando enquanto os outros negociavam acordos bilaterais. E nós não fizemos nada, absolutamente nada, nessa área.

MERCOSUL-EUROPA? AH! SIM...

Ficamos até acreditando naquela história da carochinha da União Européia que já em 1994 se dizia interessada em um acordo bilateral com o Mercosul. Sucederam-se reuniões de todo o tipo, com os nomes esquisitos de tríplice, quádrupla. Numa rapidez de tartaruga reumática.

E agora, mesmo o que ainda não começou, vai acabar. Com a inacreditável e estulta decisão de aceitar a Venezuela no Mercosul, nada mais vai sair.

Nossa diplomacia não quer entender que não há nada em comum entre a nossa economia, os nossos interesses, e a Venezuela. Eles só têm petróleo e pobreza e nós também temos petróleo e pobreza.

O petróleo deles é pesado, vale menos, o nosso também. Com suas diatribes (por que não se cala?), Hugo Chávez está fechando a Venezuela para o mundo levando agora, com a nossa leviandade, o Mercosul com ele.

Nem o Vietnã o quer. Resta-nos a gloriosa opção de assinar acordos com Cuba, Bolívia e Irã. Sem dúvida, parceiros "muy" importantes...

A HISTÓRIA É OUTRA

Enquanto ficamos aí, perplexos, meio tontos, sem saber o que fazer, os demais países partiram para acordos bilaterais. A grande preocupação, agora, é conter a fúria exportadora da China e negociar com os países asiáticos.

A União Européia já se reuniu com a China, negocia acordos com a Coréia e, na próxima semana, tem encontros com a Índia, com a qual já estão lançadas as bases de um acordo. O mesmo fizeram os Estados Unidos que, afirmou sua negociadora comercial, Susan Schwab, optou pelos acordos bilaterais. Estão rindo dos esperançosos de plantão, sempre prontos e ávidos, para novas reuniões ao fim das quais, dizem que tudo está caminhando.

Isso desde 2001, há seis anos portanto.

TEM SAÍDA?

Até pode ter desde que paremos de negar a morte de Doha, que morreu, está enterrada e não aceita visitas, endureçamos com a Argentina e reformulemos completamente o acordo do Mercosul. Ele já nos deu o que poderia dar e agora apenas nos prende em fronteiras estreitas, deixando-nos à margem da globalização.

REUNIÃO FANTASMA

Nossas exportações para a Ásia chegam à impressionante soma de US$ 20 bilhões. Os asiáticos importam muito mais de US$ 1 trilhão.

Certamente será uma reunião fantasma, entre nós e uma ficção inventada por um economista gaiato da Goldman Sachs numa hora de lazer.Um brincalhão...

*E-mail: at@attglobal.net

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