Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 02, 2007

A lição que vem de Furnas

Suely Caldas

A fracassada tentativa do PMDB do Rio de Janeiro de mudar dois diretores do fundo de pensão de Furnas constitui um fato inédito na história de mais de 30 anos das fundações de empresas estatais e mostra que, quando funcionários se mobilizam apontando o alvo certo, com o apoio de uma legislação adequada, é possível sim obter resultados positivos para o patrimônio dos fundos sem onerar a estatal nem os brasileiros - seus acionistas.

Nomeado por indicação do PMDB para a presidência de Furnas, o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde tentou mudar os dois mais importantes diretores da Fundação Real Grandeza (fundo de pensão da estatal) - o presidente e o diretor de Investimentos. Ganharia, assim, o poder de administrar uma carteira de R$ 5,8 bilhões de investimentos e um patrimônio de R$ 7 bilhões. A proposta de exoneração e nomeação foi feita pelo presidente do Conselho Deliberativo do fundo, Ruy Eduardo Campello, por sinal chefe de gabinete de Conde.

Na última quarta-feira, por unanimidade, o Conselho decidiu rejeitar a proposta, sob pressão de uma ruidosa manifestação de funcionários, preocupados com o destino do patrimônio do fundo. Ao explicar o voto contra sua própria proposta, Campello disse ter recuado diante da reação dos funcionários, mas avisou que não vai desistir e voltará a propor as substituições. Seria uma substituição normal, não fosse o ex-prefeito ter sido nomeado pelo presidente Lula em conseqüência de chantagem exercida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que exigiu - e conseguiu - a presidência de Furnas em troca de concluir o relatório da CPMF na Câmara dos Deputados. O relatório só saiu depois da nomeação.

O histórico do padrinho do ex-prefeito assustou os funcionários de Furnas. Aliado do ex-governador Anthony Garotinho, Eduardo Cunha também foi homem de confiança do ex-presidente Collor, que o colocou na presidência da antiga Telerj, um saco sem fundo de irregularidades. A CPI dos Correios - que apurou o mensalão - descobriu Eduardo Cunha por trás de fraudes praticadas com o dinheiro do Prece, o fundo de pensão da Cedae, empresa de tratamento de água do Rio de Janeiro. Os funcionários de Furnas temiam reprise do Prece no fundo de Furnas e a repetição de operações suspeitas, como a compra de debêntures do Banco Santos, feita em 2004 pela ex-administração petista e que sangrou o patrimônio do fundo em R$ 153 milhões. E foram à luta para defender o patrimônio que lhes pertence.

Ajudou-os a legislação do governo FHC dirigida a blindar os fundos contra indicações políticas, condicionando a exoneração de dirigentes à aprovação do Conselho Deliberativo. Antes os diretores eram livremente nomeados e demitidos pelo presidente da estatal, quase sempre um político com interesses partidários. Como Luiz Paulo Conde.

Inédita e emblemática, a reação dos funcionários de Furnas deveria servir de exemplo para outras estatais e seus fundos de pensão. Nos últimos 30 anos servidores ativos e aposentados dessas empresas só apareciam para reclamar mais e mais benefícios, não se preocupavam em como financiá-los, muito menos em fiscalizar. Decorrentes de gestões fraudulentas e irresponsáveis, os freqüentes rombos eram cobertos com dinheiro das estatais e a conta, transferida para toda a população brasileira, proprietária dessas empresas. A história dessas fundações é uma vasta coleção de operações financeiras fraudulentas faturadas por seus dirigentes e em prejuízo do patrimônio. Apáticos e indiferentes, os funcionários calavam, desde que tivessem seus benefícios garantidos e depositados mensalmente no banco. Responsável pela regulação e fiscalização, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC), do Ministério da Previdência, era fraca, omissa e obedecia ao ministro, um político sempre sensível aos "pedidos" de dirigentes de fundos.

Coube a duas mulheres começar a mudar esse cenário cor-de-rosa dos dirigentes e funcionários e negro para o restante da população brasileira. Carla Grasso (hoje diretora da Cia. Vale do Rio Doce) e Solange Paiva Vieira (indicada presidente da Agência de Aviação Civil) assumiram a SPC entre 1995 e 2000 dispostas a enquadrar os fundos em regras e disciplinas que protegessem seus patrimônios de gestões políticas e corruptas e eliminassem seus desequilíbrios financeiros.

Não conseguiram realizar tudo o que pretendiam, mas começaram a fiscalizar de verdade, calcular os déficits, dividir o custo de cobri-los também com os funcionários, mudar a legislação e impor regras de governança e transparência na gestão. Agora começam a colher os frutos.

*Suely Caldas é jornalista E-mail: sucaldas@terra.com.br

Arquivo do blog