Suely Caldas
Nomeado por indicação do PMDB para a presidência de Furnas, o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde tentou mudar os dois mais importantes diretores da Fundação Real Grandeza (fundo de pensão da estatal) - o presidente e o diretor de Investimentos. Ganharia, assim, o poder de administrar uma carteira de R$ 5,8 bilhões de investimentos e um patrimônio de R$ 7 bilhões. A proposta de exoneração e nomeação foi feita pelo presidente do Conselho Deliberativo do fundo, Ruy Eduardo Campello, por sinal chefe de gabinete de Conde.
Na última quarta-feira, por unanimidade, o Conselho decidiu rejeitar a proposta, sob pressão de uma ruidosa manifestação de funcionários, preocupados com o destino do patrimônio do fundo. Ao explicar o voto contra sua própria proposta, Campello disse ter recuado diante da reação dos funcionários, mas avisou que não vai desistir e voltará a propor as substituições. Seria uma substituição normal, não fosse o ex-prefeito ter sido nomeado pelo presidente Lula em conseqüência de chantagem exercida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que exigiu - e conseguiu - a presidência de Furnas em troca de concluir o relatório da CPMF na Câmara dos Deputados. O relatório só saiu depois da nomeação.
O histórico do padrinho do ex-prefeito assustou os funcionários de Furnas. Aliado do ex-governador Anthony Garotinho, Eduardo Cunha também foi homem de confiança do ex-presidente Collor, que o colocou na presidência da antiga Telerj, um saco sem fundo de irregularidades. A CPI dos Correios - que apurou o mensalão - descobriu Eduardo Cunha por trás de fraudes praticadas com o dinheiro do Prece, o fundo de pensão da Cedae, empresa de tratamento de água do Rio de Janeiro. Os funcionários de Furnas temiam reprise do Prece no fundo de Furnas e a repetição de operações suspeitas, como a compra de debêntures do Banco Santos, feita em 2004 pela ex-administração petista e que sangrou o patrimônio do fundo em R$ 153 milhões. E foram à luta para defender o patrimônio que lhes pertence.
Ajudou-os a legislação do governo FHC dirigida a blindar os fundos contra indicações políticas, condicionando a exoneração de dirigentes à aprovação do Conselho Deliberativo. Antes os diretores eram livremente nomeados e demitidos pelo presidente da estatal, quase sempre um político com interesses partidários. Como Luiz Paulo Conde.
Inédita e emblemática, a reação dos funcionários de Furnas deveria servir de exemplo para outras estatais e seus fundos de pensão. Nos últimos 30 anos servidores ativos e aposentados dessas empresas só apareciam para reclamar mais e mais benefícios, não se preocupavam em como financiá-los, muito menos em fiscalizar. Decorrentes de gestões fraudulentas e irresponsáveis, os freqüentes rombos eram cobertos com dinheiro das estatais e a conta, transferida para toda a população brasileira, proprietária dessas empresas. A história dessas fundações é uma vasta coleção de operações financeiras fraudulentas faturadas por seus dirigentes e em prejuízo do patrimônio. Apáticos e indiferentes, os funcionários calavam, desde que tivessem seus benefícios garantidos e depositados mensalmente no banco. Responsável pela regulação e fiscalização, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC), do Ministério da Previdência, era fraca, omissa e obedecia ao ministro, um político sempre sensível aos "pedidos" de dirigentes de fundos.
Coube a duas mulheres começar a mudar esse cenário cor-de-rosa dos dirigentes e funcionários e negro para o restante da população brasileira. Carla Grasso (hoje diretora da Cia. Vale do Rio Doce) e Solange Paiva Vieira (indicada presidente da Agência de Aviação Civil) assumiram a SPC entre 1995 e 2000 dispostas a enquadrar os fundos em regras e disciplinas que protegessem seus patrimônios de gestões políticas e corruptas e eliminassem seus desequilíbrios financeiros.
Não conseguiram realizar tudo o que pretendiam, mas começaram a fiscalizar de verdade, calcular os déficits, dividir o custo de cobri-los também com os funcionários, mudar a legislação e impor regras de governança e transparência na gestão. Agora começam a colher os frutos.
*Suely Caldas é jornalista E-mail: sucaldas@terra.com.br