As aventuras e contradições de Joaquim Nabuco,
o primeiro grande intérprete do Brasil
Carlos Graieb
Joaquim Nabuco | ||
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No espaço de um ano e meio, Joaquim Nabuco (1849-1910) foi do céu ao inferno na política brasileira. Em 13 de maio de 1888, multidões o aplaudiram nas ruas como encarnação de um ideal realizado, a abolição da escravatura. Ele havia sido o maior defensor da causa no Parlamento, e estava ao lado da princesa Isabel na assinatura da Lei Áurea. Mas, em 15 de novembro de 1889, Nabuco foi pego de surpresa pela proclamação da República. Mais do que desconfiar desse regime, ele acreditava na superioridade da monarquia. Pois Nabuco foi um liberal, deveras, mas também um conservador. As circunstâncias pessoais e o ambiente cultural que deram origem a esse personagem singular – um dos grandes nomes da vida pública brasileira no fim do século XIX – são descritos em Joaquim Nabuco (Companhia das Letras; 381 páginas; 39,50 reais), belo perfil biográfico assinado pela socióloga Angela Alonso.
Nabuco pertencia a uma estirpe de políticos. Desde seu tio-bisavô, os homens da família tinham assento nas instituições do Império. Quinquim passou a primeira infância num engenho em Pernambuco. Aos 8 anos foi à corte, aprender os seus valores e maneiras. Poliu seus gestos, palavras, seu modo de vestir e, aos 20 anos, já era considerado um dândi, que sonhava com a vida elegante na Europa. Nada do que absorveu nesse período se perderia no futuro. Seu charme e refinamento tornaram-se ferramentas poderosas na carreira política. Seu europeísmo permaneceu até o fim (assim como o gosto pela boa vida). Em suas memórias de 1900, ele diria: "O que me impediu de ser republicano na mocidade foi, muito provavelmente, o fato de ter sido sensível à impressão aristocrática da vida".
Havia, porém, uma pedra no caminho de Nabuco: o prestígio de sua família não ia de mãos dadas com a riqueza. Para isso, dois remédios: casar com moça endinheirada ou conseguir um emprego no estado. Um dos méritos da biografia – para além da narrativa de suas grandes batalhas como político, intelectual, diplomata – é mostrar como Nabuco se digladiou com esse problema. A crônica detalhada de seu longo namoro com Eufrásia Teixeira Leite é pitoresca. Herdeira de uma fortuna, Eufrásia se mudou para Paris na juventude e, feito raro então, tornou-se mulher de negócios de incrível sucesso. Ela e Nabuco miraram o altar muitas vezes – mas não se casaram. O outro dilema era tornar-se ou não funcionário público. Essa foi uma questão filosófica para Nabuco. Em sua visão, a dependência e a cooptação que o estado impunha a pessoas como ele eram sintomas da miséria brasileira. A idéia consta de O Abolicionismo, de 1883. O fulcro do raciocínio de Nabuco é o escravismo, instituição que, segundo ele, contaminava toda a vida brasileira – a economia, a política, a sociedade, as almas. Suas páginas sobre a maldição do empreguismo – a necessidade de abrigar em cargos públicos a elite empobrecida, que não tinha outro sustento – são também um lamento pessoal. Ao longo dos anos, Nabuco recusou algumas sinecuras e aceitou outras. No fim, serviu até mesmo à República, como embaixador.
Misto de panfleto e tratado, O Abolicionismo é um marco cultural. Foi a primeira "macrointerpretação" do país. Mas o Nabuco monarquista não quis ficar para trás. Em seu período de recolhimento, pós-proclamação da República, ele organizou os papéis do pai e escreveu sua biografia, Um Estadista do Império – uma das mais ricas fontes históricas sobre a política do segundo reinado. Nabuco foi liberal, e também conservador. Em ambos os casos, um extraordinário intelectual.