João Mellão Neto
No seu sinuoso trajeto de Garanhuns para o mundo, ele aprendeu mais sobre as pessoas do que o mais renomado dos psicólogos lhe poderia ensinar. Não será um intelectualóide qualquer, com um discurso atraente, que logrará influenciá-lo ou ministrar-lhe lições de vida.
Lembro-me de ter lido, alguns anos atrás, um livro do psicólogo americano Daniel Goleman em que ele defendia, com admirável lucidez, a tese de que a inteligência humana não pode ser mensurada apenas por testes de Q. I. (quociente intelectual). Haveria outra inteligência, tão ou mais importante que a racional, que permitiria, com precisão ainda maior, avaliar o potencial de cada pessoa. Ele a denominou inteligência emocional. As pessoas emocionalmente inteligentes possuem, naturalmente, uma simpatia cativante. Elas decifram o potencial, as motivações e a boa-fé de um interlocutor em questão de segundos. Não perguntem aos inteligentes emocionais quais são as ferramentas mentais de que se valem, eles também não sabem, têm ciência, apenas, de que são mais persuasivos que os demais e são dotados de aguda sensibilidade. As pessoas emocionalmente inteligentes não saem por aí se gabando de seu cérebro privilegiado. Ao contrário, desde crianças aprendem que os rios só correm para o mar porque este, sabiamente, se coloca abaixo deles. Os emocionalmente inteligentes não se deixam inflar por elogios, mas, como todos os humanos, anseiam pelo aplauso e pela aprovação das pessoas. São, porém, inteligentes o suficiente para não alienar sua auto-estima aos sentimentos fugazes que os demais possam vir a ter. Preferem contar com a sua intuição, esta, sim, imutável e infalível.
O presidente Lula é um exemplo eloqüente de inteligente emocional. Nenhuma circunstância o aflige, nada no mundo é capaz de tirá-lo do sério. E, o mais importante, ele é sinceramente autêntico em suas atitudes.
É tarefa impossível pretender classificá-lo ideologicamente. Ele é um mosaico de convicções empíricas. Já testou um sem-número de discursos. Foi deixando para trás os que não lhe traziam dividendos políticos. Na política, como na vida, sempre se mostrou adepto do "certo é o que dá certo", sempre falou o que sua platéia desejava ouvir, sempre soube escolher o bode expiatório mais adequado para cada ocasião. Como presidente, discorre sobre cada assunto o essencial, aquilo que lhe parece o mais conveniente a ressaltar. É sintomático que Lula tenha ojeriza de entrevistas coletivas. Ele só sabe um mínimo sobre tudo. Odiaria arriscar a sua retórica impecável discorrendo sobre temas que pouco ou nada conhece. Ladino, esperto, só se aprofunda sobre um tema quando tem certeza que sua opinião expressa os anseios e as verdades da maioria.
Todos os que tentaram decifrar Lula - ou ao menos antever os seus passos - acabaram se frustrando. A lógica que o move não segue, nem de longe, os postulados racionais. Aristóteles, por exemplo, o acharia um imbecil. E, no entanto, suas atitudes acabam por se mostrar as mais adequadas na maioria das vezes. Por muito menos outros presidentes foram depostos, renunciaram ou foram impedidos pelo Congresso Nacional. Lula, em seu primeiro mandato, não só enfrentou graves dificuldades, como soube manter o poder e se reelegeu por folgada maioria de votos. Uma explicação importante: quando afirmo que Lula sempre toma as atitudes mais adequadas, não estou me referindo à Nação, mas a ele próprio e à sua carreira. Ele erra pouco, bem abaixo da média. E é por isso que logrou chegar aonde chegou.
A inteligência emocional é uma área do conhecimento humano descoberta recentemente e, portanto, os conhecimentos sobre ela ainda são incipientes. Mas um número cada vez maior de especialistas se debruça sobre ela e procura desvendar seus fundamentos. Dentro de meio século, no máximo, a humanidade terá descoberto sobre ela o suficiente para entender seus mecanismos. Somente então, reavaliando o que se sabe sobre os grandes gênios, poderemos antecipar os seus comportamentos e entender os complexos mecanismos mentais que os levam a agir da forma insólita como agem. Até hoje, o que se pode afirmar é que os inteligentes emocionais logram alcançar resultados muito mais brilhantes que seus adversários. Eles próprios não sabem exatamente a que atribuir, especificamente, seu alto índice de acertos ante as circunstâncias que a vida lhes proporciona. Alguns se sentem escolhidos, não são poucos os que se socorrem do misticismo. Mas, se há algo em comum entre eles, é a inabalável autoconfiança, a fé que depositam em seus próprios julgamentos e, principalmente, o senso de predestinação.
Lula é um predestinado. Ou, pelo menos, acredita que é. Não é um louco. É, isso sim, um brilhante psiquiatra de muitos milhões de loucos.