Nova York comemora os resultados da queda
excepcional da criminalidade, fruto de atuação
policial imitada em toda parte
Suzana Villaverde
Mary Altaffer/AP |
NYPD em ação: a vida não imita os filmes e a cidade fica mais segura |
Numa noite sombria, a jovem bonita está andando na rua em Nova York e, de repente, o criminoso ataca. Suspense, gritos, câmera tremulante terminam com a morte da pobre inocente. Cenas parecidas já foram filmadas incontáveis vezes. Na vida real, a probabilidade de que isso aconteça é próxima do zero. A taxa de homicídios na cidade cai sem parar e atingiu um novo recorde negativo. Até 18 de novembro, o total de pessoas assassinadas neste ano foi de 412 (outras dezesseis entraram na estatística por ter morrido em conseqüência de ferimentos sofridos em data anterior), um número impressionante para uma cidade de 8,2 milhões de habitantes – e o mais baixo já registrado desde que estatísticas confiáveis começaram a ser feitas, em 1963. Previsivelmente, a maioria dos casos atingiu homens com envolvimento anterior com drogas e outros delitos. As vítimas mortas por estranhos constituem até agora apenas 35 das ocorrências. "E não são só os homicídios. Dos sete tipos de crimes mais comuns que contabilizamos, outros cinco tiveram queda de 6,5% em comparação com o mesmo período do ano passado. A população, que nos anos 90 tinha medo de sair de casa e ser morta ao virar a esquina, agora se sente segura e pode aproveitar a cidade", disse a VEJA, com justificável orgulho profissional, a porta-voz da polícia, Barbara Chen. A Nova York perigosa até para padrões brasileiros atingiu o auge em 1990: com 7,3 milhões de habitantes, teve 2.245 homicídios. Era a época do crack, a droga destruidora, e da polícia sem cobranças. A criminalidade começou a declinar no país inteiro, por uma multiplicidade de causas, inclusive demográficas. Mas Nova York também, ou sobretudo, deu a sorte de ter uma sucessão de prefeitos conscientes de que precisavam mostrar serviço. O primeiro foi David Dinkins, que em 1992 convocou um tira de filme, Raymond Kelly, para chefiar o Departamento de Polícia (o NYPD das séries e filmes de ação). Seu sucessor, Rudy Giuliani, hoje pré-candidato a presidente pelo Partido Republicano, desfechou a célebre política de tolerância zero, de impacto e resultados duradouros.
Uma das primeiras providências de William Bratton, que chefiou a polícia nova-iorquina de 1994 a 1996, foi promover uma vasta limpeza interna, afastando policiais corruptos. Nos anos e governos seguintes, a cidade foi mapeada, as áreas de maior criminalidade receberam policiamento intensivo e se implantou um sistema de estatísticas fiscalizado por auditores independentes. Ou seja, não dá para maquiar os números, embora a cobrança por resultados seja pesada. Primeiro na administração Giuliani, e agora com Michael Bloomberg, também há programas dirigidos a jovens em bairros com altos índices de violência, incluindo incentivos à educação universitária. A medida mais recente, tomada pelo pioneiro Kelly, que voltou ao comando da polícia em 2002, foi o lançamento do Real Time Crime Center, um centro de controle de operações que funciona 24 horas por dia. "Uma pesquisa que antes levava horas, dias, até semanas, agora é instantânea. Isso ajuda a resolver e prevenir crimes", diz a porta-voz Barbara. Ressalve-se que nem todos são mocinhos nessa história: no começo de novembro, Bernard Kerik, o protegido de Giuliani que chefiou a polícia entre 2000 e 2001, foi indiciado em dezesseis modalidades criminosas, que vão de corrupção a evasão fiscal, cometidas no exercício do cargo.
O notável sucesso de Nova York propagou métodos similares. Na Los Angeles das gangues, e de outros tantos filmes violentos, houve 289 homicídios até setembro, o número mais baixo em 37 anos; em Chicago o total de homicídios caiu de 923, em l994, para quase a metade, 468, em 2006. Segundo Marcelo Batista Nery, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), o modelo nova-iorquino deu certo porque a polícia atacou em diversas frentes, combatendo problemas localizados. "A violência é um fenômeno complexo. Os diversos fatores podem ser semelhantes, mas têm importância variada. Não adianta identificar um ponto para ser combatido, mas sim os pontos relevantes em cada bairro ou comunidade", explica. Neste ano, em São Paulo, até outubro ocorreram 1 282 homicídios, uma impressionante queda de mais de 70% em relação ao recorde de 5.418 mortes em 1999. Os latrocínios, ou seja, matar para roubar, um dos crimes que mais assustam a opinião pública, foram cinqüenta, contra 298 oito anos atrás. Embora a tolerância ainda esteja bem acima de zero, as medidas adotadas em São Paulo têm aspectos em comum com as de Nova York. "Passamos a mapear o crime para buscar o criminoso, em vez de pegar o criminoso para depois entender como funciona o crime", diz o secretário estadual de Segurança Pública, Ronaldo Marzagão.