Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 01, 2007

As penas duras de Fausto Martin de Sanctis

Mão pesada contra
os crimes financeiros
Karime Xavier/Folha Imagem
Fausto de Sanctis: o gabinete do juiz ganhou o apelido de "câmara de gás"

O juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, é um especialista em casos que envolvem lavagem de dinheiro. Com fama de rigoroso, já condenou o doleiro Toninho da Barcelona, seqüestrou obras de arte do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira e pediu a prisão do magnata russo Boris Berezovsky, suspeito de ser um dos investidores ocultos do Corinthians. De Sanctis, cujo gabinete é chamado pelos advogados de "câmara de gás", falou à repórter Juliana Linhares.

O SENHOR JÁ CONDENOU AUTORES DE CRIMES FINANCEIROS A MAIS DE VINTE ANOS DE PRISÃO. NÃO É UM RIGOR EXCESSIVO, DIANTE DE OUTROS DELITOS CONSIDERADOS MAIS GRAVES?
Não. A lavagem de dinheiro está sempre associada ao crime organizado, algo muito sério. Só se lava dinheiro para ocultar recursos que tiveram como fonte o tráfico de drogas, o contrabando de armas ou a corrupção. As investigações sobre lavagem de dinheiro surgiram justamente porque os organismos internacionais reconheceram a ineficácia do combate a esses crimes antecedentes. A idéia é que, com as condenações e seqüestros de bens, se consiga inibir toda a cadeia da criminalidade. Estima-se que, a cada ano, sejam lavados entre 500 bilhões e 1 trilhão de dólares em todo o mundo.

POR QUE É TÃO DIFÍCIL PROVAR O CRIME DE LAVAGEM?
Porque quem lava dinheiro é um especialista em ocultar bens. Se o estado passa a fiscalizar determinadas atividades, os criminosos buscam novas áreas, onde esse controle não é tão eficiente. Dois exemplos são os investimentos em obras de arte e em clubes de futebol.

NO CASO DO EX-BANQUEIRO EDEMAR CID FERREIRA, O SENHOR O CONDENOU A 21 ANOS DE PRISÃO, POR ENTENDER QUE ELE LAVOU DINHEIRO COMPRANDO OBRAS DE ARTE. MAS A SENTENÇA ACABOU REFORMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. QUEM ESTÁ ERRADO: O SENHOR OU OS MINISTROS DO SUPREMO?
Os ministros de tribunais superiores não têm a vivência de um juiz de primeira instância. Somos nós que fazemos as audiências, ouvimos as interceptações telefônicas, analisamos as quebras de sigilo bancário. Muitas vezes os ministros não têm acesso a essas informações e nossas decisões acabam derrubadas. Mas tudo o que eu faço é bem fundamentado. Nesse caso do Banco Santos, minha sentença tem 615 páginas. Para chegar à decisão, que resultou na condenação de dez pessoas, ouvi mais de 100 depoimentos.

MAS ISSO NÃO FOI SUFICIENTE PARA MANTER EDEMAR NA CADEIA. POR QUE NO BRASIL HÁ TÃO POUCOS AUTORES DE CRIMES FINANCEIROS PRESOS?
Um dos problemas é o excesso de recursos. Um exemplo: aqui tudo é passível de habeas corpus. Ele é um instrumento legítimo, mas tem de ser usado com critério. Em Portugal, apenas réus que estão presos podem ser beneficiados e, mesmo assim, quando há absoluta afronta à legislação. Quando discuto o assunto com outras autoridades do exterior, elas ficam perplexas em saber que, no Brasil, uma única liminar, concedida por um só juiz, pode paralisar inteiramente um processo que está sendo analisado há anos.

O SENHOR É A FAVOR DO FORO PRIVILEGIADO?
Não. Na Idade Média, o foro privilegiado protegia as pessoas mais abastadas. Quando elas enfrentavam um processo, eram condenadas somente a penas pecuniárias. No Brasil de hoje, ele também virou instrumento de proteção. O foro privilegiado, combinado com o excesso de recursos, é usado para impedir que o processo nunca chegue ao fim e termine com a absolvição, por prescrição. Desse modo, para que Justiça? Por isso defendo que seja possível apenas uma apelação do julgamento.

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