Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Míriam Leitão - Mercadante e CPMF



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
7/12/2007

O senador Aloizio Mercadante acha um risco o país transformar um imposto com que arrecada R$40 bilhões em uma "peça do embate político", justamente numa hora em que o mundo está entrando numa crise. "Há uma crise no mercado interbancário mundial, as economias desenvolvidas estão em desaceleração, o dólar está perdendo valor. Esta não é a hora de perder a âncora fiscal", diz ele.

O governo, sem os votos necessários, teve de adiar a votação da CPMF, e está difícil prever o resultado do imposto tão amado pelos governantes, tão detestado por quem está fora do poder.

- Reconheço que nossa história não é muito boa nesta área, mas estivemos alijados do poder por 20 anos. Quem governou deveria saber que não se pode abrir mão desse imposto - afirma Mercadante.

Nos últimos meses, a CPMF virou o centro de uma grande batalha campal. Paulo Skaf, presidente da Fiesp, antes tão próximo do governo Lula, agora se estranha com o ministro da Fazenda; associações empresariais fazem movimento contra o imposto, economistas mostram que o governo tem arrecadado mais do que precisa e já é hora de dispensar um imposto que nasceu como emergência.

Muita gente bate na CPMF, mas o pior inimigo da aprovação do imposto tem sido o próprio governo, que conduziu de forma errática a negociação e a misturou com outras questões e barganhas. Foi a própria base que aproveitou a fraqueza do governo para dependurar sua lista de pedidos. Foram os próprios petistas que afrontaram aliados. Foi o próprio ministro da Fazenda que oscilou entre ameaças e garantias de que tudo estava dominado. E o pior: foi o próprio presidente que anunciou que aumentaria os gastos.

Na conversa que tive ontem com o senador Mercadante, ele apresentou a seguinte linha de defesa: o momento é ameaçador demais para se abrir mão dessa receita; o governo deveria fazer mais para provar seu empenho em manter as contas públicas sob controle.

- Ainda não se sabe o tamanho do rombo nos bancos internacionais provocado pela crise das subprime (hipotecas de alto risco). Há um cálculo de que sejam US$500 bilhões no mercado americano; US$250 bilhões no mercado europeu. As previsões de crescimento de Estados Unidos, Europa e Japão estão em queda. Os fundos soberanos precisam defender suas reservas que, em dólar, estão perdendo o valor. Já está difícil para países em desenvolvimento captar no mercado com título soberano - empilhou o senador.

De fato, hoje há muita incerteza internacional e um quase pânico em relação ao futuro do dólar. A moeda americana perdeu 6% do seu valor desde agosto na comparação com as principais moedas do mundo. Nos últimos cinco anos, foram mais de 30%. Como os EUA sempre se financiaram de forma barata, porque sua moeda é que constituía as reservas cambiais de outros países, há uma enorme dúvida sobre o que acontecerá agora. Se os países emergentes decidirem se livrar do dólar, a queda dessa moeda pode se aprofundar. E agora há uma alternativa: o euro.

Os mercados oscilam entre momentos de medo da crise e outros de relaxamento, quando confiam que os bancos centrais maiores vão continuar encharcando o mercado de liquidez. Ontem, nessa linha, o governo Bush lançou medidas de congelamento dos juros para tomadores de crédito imobiliário.

- O Brasil não foi afetado até agora, nem os países da região. Mas aqui temos outros problemas, como a inflação, que está atingindo Venezuela, Argentina e Bolívia - diz Mercadante.

O senador acha que o pior a fazer é passar a idéia de descontrole fiscal.

- Não podemos cometer erros agora. Não há muito mais espaço para a política monetária, e o Brasil precisa continuar reduzindo a dívida/PIB. Se o país perder a âncora fiscal neste momento será um erro.

Ele define como perder essa âncora a não aprovação da CPMF. Mas o fato é que os gastos vêm aumentando e, na entrevista ao GLOBO, o presidente Lula não deixou dúvidas de que isso é deliberado. Mercadante defende que sejam adotadas outras medidas de contenção:

- Temos que ter uma trava no gasto de pessoal. Aprovamos na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado a proposta de que esses gastos aumentem apenas inflação mais 2,5% ao ano ou o equivalente do crescimento do PIB; o que for menor. Podemos aprovar isso em plenário. Há mecanismos que ajudam a disciplinar o gasto, como um projeto antigo, do governo anterior, que estabelecia um limite ao endividamento em 3,5 vezes a receita bruta. Eu preferia um limite mais simples, como o de Maastricht. Podemos e devemos discutir medidas para conter os gastos correntes. O que não podemos fazer, principalmente neste momento, é transformar a falta de avanço nas negociações em questões tributárias em um embate contra a CPMF.

O senador diz que o país tem de controlar despesas também porque precisa ter capacidade de investimento: ele teme o risco energético, o do apagão logístico e lembra que, só este ano, a venda de carros aumentou 30,7% e a de caminhões, 34%, o que vai exigir mais ainda da deteriorada malha viária.

- É evidente que é preciso reduzir a carga tributária, é desejável que haja uma desoneração, mas não da CPMF, e, sim, de impostos que incidem sobre a folha salarial, sobre as exportações, sobre outras áreas que ajudem mais a economia.

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