O Globo |
7/12/2007 |
Para além das ameaças abertas do presidente Lula, e a aparente posição inflexível dos tucanos, negociações nos bastidores armam uma possibilidade de novo acordo entre governo e PSDB para a aprovação da prorrogação da CPMF. Há dois temores entre os tucanos, um de ordem prática, outro de teor puramente político. O dinheiro do orçamento da Saúde vai quase na sua totalidade para estados e municípios, que não dispõem de recursos próprios suficientes para atender às demandas crescentes. Portanto, conseguir aumentar a parte da saúde na destinação da CPMF seria um ganho concreto para os governadores e prefeitos, além de permitir melhorar uma situação que continua caótica na maioria do país. O temor político é ser responsabilizado pela falta de dinheiro para a saúde e para o Bolsa Família, mesmo que essa escassez de recursos seja fictícia. Caso a prorrogação da CPMF não seja aprovada, o governo terá que cortar recursos de algumas áreas e remanejá-los para os setores mais sensíveis. Mas poderá reforçar mais ainda sua popularidade, atribuindo à oposição as culpas e os males do fim da verba, e a si os louros da solução que necessariamente terá que aparecer. O governo tem "bala retórica" para fazer essa campanha, avaliam os governadores tucanos, que estão todos empenhados em demover a bancada do Senado da posição irredutível em que se encontra hoje. Os principais líderes do partido, os governadores de São Paulo José Serra e o de Minas Aécio Neves, trabalham em dobradinha inédita para conseguir um acordo de última hora que justifique uma mudança de posição do PSDB. São três as condições: corte nos gastos públicos; desoneração fiscal para incentivar empregos formais e aumento da destinação da CPMF para a saúde. Atendidas essas exigências, o PSDB poderá anunciar-se como o grande vencedor da negociação. Como o prazo ficou apertado, porém, qualquer percalço pode atrapalhar essa derradeira tentativa. O fator Suplicy, por exemplo, é um desses acidentes de percurso que, como ensina a Lei de Murphy, se alguma coisa não pode acontecer, aí mesmo é que acontece. Ao lançar o nome do senador Pedro Simon para a presidência do Senado, Suplicy causou um rebuliço que não ajuda o governo. Simon, que virou seu voto para favorável à CPMF por causa do apelo da governadora tucana Yeda Crusius, não agrada ao Palácio do Planalto nem à cúpula do PMDB, mas já disse que aceita. Se houver uma rejeição formal a ele, pode se sentir afrontado. Também a língua solta do presidente Lula não ajuda nessas horas. Sua porção populista se exacerba nas ocasiões em que se considera ameaçado, e aí despertam nele os instintos da mais primitiva política. Foi assim em 2005, quando ameaçou colocar nas ruas os "movimentos sociais" contra os que o acusavam de cumplicidade no mensalão. E aconteceu novamente ontem no Pará. Acuado pela possibilidade cada vez mais concreta de não conseguir os votos necessários à prorrogação da CPMF, o palanqueiro Lula ressurgiu do passado para jogar o povão contra a "elite insensível". Qual um militante político radical, despiu-se da liturgia do cargo para ameaçar expor publicamente as fotos dos senadores "irresponsáveis" que votarem contra a prorrogação da CPMF, pois estarão prejudicando o Bolsa Família e impedindo que a Saúde do país melhore. O presidente Lula muda de idéia como quem muda de camisa, já se disse, mas nos últimos dias a "metamorfose ambulante" tem se superado, não falando coisa com coisa dia após dia. Ontem mesmo admitiu que mobilizara seu partido contra a CPMF no governo de Fernando Henrique Cardoso, e no dia seguinte diz que quem é contra o tributo é sonegador e contra o povo. O mínimo que se pode deduzir daí é que, quando era contra a CPMF, Lula era contra o povo, embora por ignorância. Agora, chegando à Presidência da República, descobriu que o "imposto injusto" dos neoliberais tucanos era, na verdade, um instrumento de justiça social indispensável que o PT quase impediu de alcançar sua finalidade. Esse instinto selvagem que volta e meia reaparece no presidente Lula faz parte de sua personalidade cambiante e é um perigoso ingrediente de nossa política atual. Está claro que o presidente Lula, por esperteza política ou por temperamento, gosta de se diferenciar de Chávez, o estereótipo do ditador latino-americano, mesmo que ainda faltem alguns poucos itens para caracterizar seu governo como uma ditadura acabada. Lula, ao contrário, aparece para o mundo como o líder operário de esquerda que sabe lutar por suas causas com um pragmatismo responsável, e por isso é visto como elemento de equilíbrio em uma região que hoje se caracteriza justamente pela falta de sensatez de seus líderes. Mas faz parte do arsenal político de Lula essa permanente ameaça velada de "dar uma de Chávez" se lhe pisam no calo, e retirar os R$40 bilhões da CPMF é retirar o fôlego de seu projeto de transformar o país "em um canteiro de obras", o que não aconteceu ainda não por falta de dinheiro, mas por falta de planejamento e gestão. A arrecadação extra do governo já atingiu praticamente o mesmo valor da CPMF, e o orçamento do próximo ano poderá ser revisto. Mas o aumento de gastos correntes do governo não permite que esse dinheiro extra seja encaminhado para a substituição, mesmo gradual, da CPMF. A questão agora não é nem mesmo se o governo arrecada muito ou pouco, mas onde o governo coloca o dinheirão que arrecada. Se as negociações que estão em curso conseguirem colocar um freio nos gastos públicos e aumentar os investimentos na saúde, governo e oposição terão conseguido fugir da pequena política, o que é um bom sinal para o país. Mas a bola está com o governo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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