Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Míriam Leitão - A folga e o risco


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
20/12/2007

A dúvida era sobre a qualidade da resposta do governo ao desafio da perda da CPMF. Seria mais aumento de impostos ou corte de gastos? Ele decidiu não dar resposta alguma e adiar tudo. A economia mundial dá sinais de problemas, e o ano que vem será mais difícil. Na ponta do lápis, o governo tem uma folga fiscal que pode ser de mais de R$20 bilhões, mas, se usar, pode aumentar o risco inflacionário.

O governo está prometendo à base não cortar emendas e à oposição, não criar impostos; tem dificuldades de cortar despesas; o presidente mandou preservar os investimentos e se comprometeu a não reduzir o superávit primário. Como é que a conta fecha?

Talvez esteja contando com o seguinte: o superávit primário nos últimos 12 meses está em 4,2% do PIB. A meta fiscal é de 3,8%. Por enquanto, o governo não tem feito todos os investimentos do PPI, mas, se fizer só o que está previsto no Orçamento, o 0,5% do PIB, pode, na prática, fazer um superávit de 3,3% e continuar cumprindo a meta fiscal. Ou seja, seria uma folga de quase 0,9% do PIB, pouco menos de R$25 bilhões.

A CPMF significou uma perda de 1,4% do PIB de receita. Mas se as outras receitas crescerem numa proporção média de 8%, o governo compensaria parte da perda. Essa é a conta que alguns especialistas estão fazendo. Ou seja, o governo se aproveitaria de alguma gordura, apostaria em aumento de receita, e torceria para tudo continuar como foi no passado recente. Mas aí há dois problemas.

O mercado financeiro, aqui e em qualquer lugar, está ficando mais pessimista. Ontem a Merrill Lynch afirmou que há de 50% a 100% de risco de a economia americana entrar em recessão. O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga disse ao "Valor Econômico" que esse risco é de 50%, e que a economia brasileira pode crescer bem menos: 3%.

As avaliações estão mudando de tom mais rapidamente do que parece nas previsões captadas pela Pesquisa Focus, do Banco Central. Lá estão os números. Há muita gente dizendo que o país pode crescer menos. Se isso acontecer, não haverá o cenário salvador, de aumento de arrecadação, com que o governo está contando. Se houver o oposto, frustração de receita, a situação pode piorar.

Há outro risco se aproximando: o inflacionário. A forte alta no preço dos alimentos foi parcialmente compensada pelas tarifas, que ficaram baixas em 2007 pois, no ano passado, os IGPs foram baixinhos. Agora, eles estão acima de 7%. E vão pressionar as tarifas.

Se a resposta do governo fosse corte de gastos, a política fiscal estaria ajudando a política monetária a enfrentar esses riscos. Se o governo não ajustar os gastos, na expectativa de haver aumento de receita e redução da gordura do superávit, pode acabar exigindo do Banco Central a elevação dos juros ao longo do ano para conter a pressão da inflação.

A decisão do governo ontem foi negociar com a oposição a aprovação da DRU e adiar qualquer resposta para fevereiro. Como estratégia para evitar novas perdas, é boa, mas se achar que tudo vai se resolver sozinho estará fazendo a avaliação errada. O economista Ilan Goldfajn acredita que o governo dará uma resposta:

- Vão ter que arrumar uma forma de compensar. Ou aumentam impostos, ou arrumam os gastos. O governo está contando com o extra, pois está vindo mais arrecadação do que se esperava. Eles estão esperando para ver se isso vai compensar, tentando a sorte, que, aliás, tem acompanhado este governo. Se nada acontecer ou for feito e eles tiverem que cortar o primário, aí o mercado vai balançar. Algo terá que ser feito no ano que vem, no fim de ano, é mesmo difícil.

O mercado financeiro está de olho na avaliação das agências de risco quanto à qualidade da resposta do governo. Uma não resposta é um cenário muito ruim, e isso pode alterar o cronograma do esperado "grau de investimento". É o que acha Nuno Câmara, economista do Dresdner em Nova York:

- A resposta das agências de risco vai depender muito de como o governo resolver a questão da CPMF. Chegamos a esperar o grau de investimento ainda em 2007, mas mudamos isso. Foi importantíssimo esse episódio da CPMF, principalmente agora com um cenário externo mais negativo. É um erro subestimar este quadro menos positivo do ano que vem; os ventos não estarão tão favoráveis em 2008; vai ser um ano de maior escassez de capital.

Dependendo da resposta fiscal do governo, o grau de investimento poderia vir no primeiro semestre ainda.

- O importante para o mercado é a sinalização. Se o governo resolver a questão da CPMF via corte de gastos, vai ser um sinal excelente - afirma Nuno.

Mais importante que a avaliação das agências quanto ao grau de investimento do Brasil são os riscos reais. Uma crise americana severa e uma redução do ritmo de crescimento da economia brasileira, o cenário Armínio, ficam ainda mais complicadas pelo fato de o país estar com um ajuste fiscal a ser feito e uma pressão inflacionária.

O governo pode esperar passar as festas para fazer seu plano de enfrentamento da nova realidade com R$40 bilhões a menos. Mas não pode acreditar que tudo vai se resolver por aumento de arrecadação, uma espécie de Papai Noel permanente.

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