O Globo |
20/12/2007 |
A "poderosa oposição" do Senado, como definiu o orgulhoso líder do PSDB, Arthur Virgílio, impôs novamente ao governo uma derrota parlamentar ao negociar a prorrogação da Desvinculação de Recursos da União (DRU) sob a condição de não haver aumento da carga tributária para compensar o fim da CPMF. Como é preciso encontrar recursos para manter o superávit primário e não cortar o orçamento dos programas sociais, inclusive da saúde, o governo não terá outra saída a não ser reduzir os seus gastos. Chegou a ser engraçado o empenho irônico do senador Heráclito Fortes que, durante dois dias, cobrou do governo a presença de sua base no plenário do Senado para dar os 49 votos necessários à aprovação da DRU. Ele sabia que o governo estava literalmente nas mãos da oposição, pois não tinha condições de mobilizar sua base para aprovar a emenda constitucional. A derrota do governo no Senado não foi boa apenas para a reafirmação da democracia, mas também para que o governo reavalie sua atuação nas negociações com sua base parlamentar. Mesmo com uma ampla maioria teórica na Câmara, o governo teve que se submeter ao fisiologismo mais baixo. No Senado, se submeteu também às pressões do senador Renan Calheiros e sua entourage, humilhando a bancada do PT. E, quando pensou que poderia passar seu rolo compressor sobre a oposição, tentando cooptar individualmente senadores através dos mesmos métodos a que se habituara nos últimos tempos, teve a surpresa de ver que seus "argumentos" não surtiriam efeito. As conseqüências deletérias dessa relação com o Congresso se voltaram contra o próprio governo, que tentou garantir o voto do senador Expedito Júnior, de Rondônia, prometendo perdoar uma dívida de seu estado. Pois o senador do PR não apenas manteve seu voto contrário como conseguiu o apoio da oposição, e também de parte da base aliada do governo, para aprovar no Senado o perdão da dívida, numa manobra que certamente será questionada na Justiça. Para aprovar a DRU ainda neste ano legislativo, foram feitas outras manobras regimentais que, para o espectador comum da TV Senado, devem ter sido bastante esclarecedoras sobre o modo de atuar de nossos representantes. Eram necessárias três sessões de discussões antes da votação, e elas ocorreram em menos de meia hora. A agilidade com que o presidente do Senado, Garibaldi Alves, abriu e fechou as sessões foi admirável. O anúncio desse acordo com a oposição gerou uma boataria em torno da permanência no cargo do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, já que os termos do acordo iam de encontro ao que o ministro havia anunciado nos últimos dias, sendo constantemente desautorizado pelo Palácio do Planalto. Certamente os boatos surgiram pelo fato de que há muito tempo não se tinha notícia de uma derrota tão contundente do governo para um Senado até então submisso, que havia inclusive se desmoralizado com a absolvição do senador Renan Calheiros forjada por acordos do Palácio do Planalto para aprovar a CPMF. O Ministro Mantega, baseado nesse histórico de supremacia do Executivo, iniciou os debates posteriores à revogação da CPMF com um espírito revanchista que já não tinha vez na retórica governista, pois dependia da oposição a confirmação da permanência da DRU, instrumento vital para o governo administrar um Orçamento que terá que ser todo refeito, com menos R$40 bilhões de receita. É verdade que há um consenso no Congresso de que as receitas da União estão subestimadas no Orçamento que estava no Congresso. Um exemplo disso é que somente no leilão de celulares de última geração o governo ganhou nos últimos dois dias cerca de R$4 bilhões acima do previsto. E a arrecadação extra que se registrou este ano, grande parte da qual não foi utilizada, poderá sê-lo para recompor o próximo Orçamento. Além, é claro, da probabilidade de que se repita no próximo ano esse aumento da arrecadação, com o crescimento da economia brasileira, caso uma crise econômica internacional gerada por uma eventual recessão nos Estados Unidos não interrompa o ciclo virtuoso em que nos encontramos. O fato de o governo ter aceitado discutir no âmbito do Congresso as medidas que eventualmente serão necessárias para recompor o Orçamento, como corte de gastos e suspensão de contratações previstas, pode ser sinal de que estamos amadurecendo uma visão de gestão do Estado que já teve mais força quando o ministro da Fazenda era o hoje deputado Antonio Palocci. Que, por sinal, voltou a ser muito ouvido pelo presidente Lula nesses dias tensos de negociação da CPMF. Se o projeto de implantar um redutor nos gastos oficiais, que ele e o ainda ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, pretendiam implementar for retomado, seria uma indicação clara de que o governo retomou o caminho virtuoso do equilíbrio das contas públicas. Chegando-se a esse consenso entre governo e oposição, o país pode estar próximo de conseguir iniciar um debate sobre a reforma tributária que organize melhor as relações entre os entes federativos. Estranhamente, um dos pontos do acordo firmado com a oposição foi a exigência de que, a partir do próprio presidente Lula, o governo deixe de acusar a oposição por supostos prejuízos aos programas sociais, em especial aos da saúde. É desprezível a chance de o presidente Lula deixar de fazer suas críticas nos palanques em que se encontrar daqui por diante. Seria preciso que ele, além de ter se transformado em outro tipo de político, admitisse que realmente a CPMF já estava na hora de acabar, e que o governo não precisava desses R$40 bilhões. |
Entrevista:O Estado inteligente
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