Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Míriam Leitão - Filmes clássicos




O Globo
19/12/2007

O governo precisa da DRU para ter liberdade de mexer no dinheiro do Orçamento, mas, para tanto, tem que deixar as más notícias para depois da aprovação da medida. Isso o colocará na situação do estraga-festas de Natal; entregará seu pacote de más notícias junto com a sacola de presentes do bom velhinho. O presidente Lula quer adiar tudo para depois das festas.

Por enquanto, a tendência é: cortar investimentos fora do PAC, alguns aumentos salariais prometidos e um pouco de emendas num total de R$15 bilhões. E subir impostos, para arrecadar R$10 bilhões a mais. No resto, acreditar que a arrecadação vai crescer. O IOF é o principal candidato a subir, o que pode ser feito por decreto. O outro é a Contribuição Social sobre Lucro Líquido, que vai para o Congresso, mas exige maioria simples. O IPI, segundo se diz em Brasília, "causa muito barulho e tem pouco resultado". É esse o pacote; por enquanto.

Do ponto de vista do marketing, nada pior que pacote de fim de ano. O governo Fernando Henrique aprendeu a lição a duras penas e por isso acabou com esse hábito funesto da vida brasileira. O governo Lula decidirá, nas próximas horas, o que fazer.

É possível que não consiga apresentar nada a tempo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi para uma reunião de um Mercosul enfraquecido, em vez de ficar em Brasília comandando a equipe. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, também foi. Os técnicos preparam as medidas, alheios aos poderosos vetos políticos que se formam nestes momentos de aumentar impostos e cortar gastos. Subestimam a reação que virá para bloquear as medidas. Na Fazenda, explica-se que a proposta de aumento de impostos precisa ser enviada ao Congresso ainda em 2007, pela obrigação da anualidade. Isso se a idéia for criar um imposto novo. As contribuições têm exigência de 90 dias. Seja como for, começará agora a queda-de-braço para ver se o pacote sai mesmo neste fim de ano, ou se fica para o ano que vem. Com seu olho sempre atento à popularidade, o presidente Lula pode querer adiar pelo medo de estragar as boas novas do Natal do "nunca antes na história desse país".

O governo diz que não cortará gastos sociais. Se realmente quisesse isso, não renovaria a DRU, que é o mecanismo pelo qual verbas que obrigatoriamente iriam para Saúde e Educação, entre outros, podem ser usadas livremente pelo governo. Do total dos R$90 bilhões que a DRU libera, na prática, apenas R$20 bilhões acabam ficando nas mãos do governo, depois do complexo jogo de obrigatoriedades do Orçamento. Mas são R$20 bilhões que seriam usados nos gastos sociais e que serão utilizados para outras finalidades, como a formação do superávit primário.

O governo diz que não cortará superávit primário. Vai acabar fazendo isso; de uma forma ou de outra. A menos lesiva será através do aumento do PPI (Projeto Piloto de Investimento). Aumentando o PPI de 0,5% para 1% do PIB, ele poderá dobrar o investimento e não registrar como gasto para efeito estatístico. Esse foi o truque que o FMI inventou na época em que havia acordo de monitoramento com o Fundo. O problema é que o governo tem tido dificuldade até em fazer os investimentos do PAC.

O que esta equipe econômica não entende é que sempre há um pacote pronto para ser apresentado. São medidas controversas, vetadas em outros momentos, que descansam nas gavetas da burocracia. Quando a ocasião aparece, elas são apresentadas como idéias inéditas e salvadoras. Muitas delas enfrentarão barreiras técnicas, jurídicas ou políticas. Na hora em que forem apresentadas aos políticos, começa o bombardeio.

Está também quase pronta a proposta de reforma tributária do economista Bernard Appy, secretário de Política Econômica. Ela está sendo revista às pressas, cortando-se as boas notícias, como as desonerações, para compensar a perda da CPMF. E se incluindo nela um substituto da CPMF, que, sim, está sendo pensado tanto na área técnica quanto na política. Pode ser apresentado agora, mas isso não vai significar nada, porque só durante o ano que vem, na tramitação, é que se verá se uma proposta feita por um economista isolado da própria equipe tem alguma capacidade de se manter em pé quando enfrentar a guerra parlamentar e federativa.

Há um outro clássico em pacotes de fim de ano que é cortar vento e contar com vento. Explico. A manobra, já usada várias vezes, é anunciar como cortes despesas que se pensava aumentar. Contar com o vento é apostar muito na rubrica "aumento da arrecadação", que pode acontecer ou não. O governo está dando sinais de que vai pousar grande parte do pacote nesta expectativa futura de receita. De fato, a receita tem aumentado além das previsões, pelo crescimento econômico e eficiência de arrecadação. Mas, na prática, depositar um ajuste fiscal neste item equivale ao igualmente clássico deixar-como-está-para-ver-como-é-que-fica.

O governo está dividido, a base está dividida e o Congresso está fortalecido com a derrubada da CPMF. Há o grupo que quer fazer o ajuste e o que prefere adiar isso, confiando no aumento da receita; há na base os defensores dos vários interesses que podem vir a ser contrariados, seja com os cortes, seja com os impostos. Há a oposição falando grosso e ameaçando agora não aprovar a DRU.

Ah, as voltas que o mundo dá! Se a DRU não for aprovada, haverá mais dinheiro para o Social, mas o governo, que pedia a aprovação da CPMF em nome do social, agora quer a aprovação da DRU; a oposição, que quando era governo inventou CPMF e DRU, derrubou um e ameaça o outro.

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