O Globo |
19/12/2007 |
A polêmica votação que pôs fim à cobrança da CPMF, em que o governo sofreu sua maior derrota parlamentar dos cinco anos da administração Lula, colocou em evidência algumas parcerias políticas heterodoxas, ou proximidades conceituais, que poderão ter repercussão nos desdobramentos das futuras negociações políticas, com reflexos até mesmo na sucessão presidencial. A outrora impensável parceria entre os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, pode facilitar a definição do candidato tucano, evitando as conseqüências traumáticas de disputas anteriores. A posição dos governadores, no entanto, deixou seqüelas nas relações internas do PSDB, e paradoxalmente os colocou em campos opostos ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que continua sendo o grande líder político do partido. Sua visão de oposição mais aguerrida - chegou a cobrar uma oposição "com gosto de sangue na boca" em meio à crise do mensalão - tem no líder do governo no Senado, Arthur Virgílio, sua mais perfeita definição, mas contrasta com a visão dos governadores, especialmente a dos dois potenciais candidatos à sucessão de Lula, que preferiam uma relação menos atritada com o Palácio do Planalto até que a sucessão esteja mais próxima. Por outro lado, a veemente atuação dos dois em defesa da CPMF até o último instante, que já provocara do presidente Lula palavras de agradecimento público, ontem levou a ministra Dilma Rousseff, também uma presidenciável, a reconhecer publicamente o empenho de "setores da oposição" em favor da CPMF. Pelo menos no momento, não é previsível que a relação do governo com José Serra, vindo ele a ser o candidato do PSDB, seja de agressividade, situação que parecia provável apenas alguns dias antes dessa votação, que já se tornou histórica. O que se previa era que a boa relação do governador Aécio Neves com o presidente Lula garantiria uma campanha sucessória amena se ele fosse o candidato tucano. Agora, já se pode ter no cardápio político a possibilidade de uma aproximação do Palácio do Planalto com o PSDB representado pelos governadores. A votação da CPMF colocou também em lados extremos o governador José Serra e os Democratas, que seriam sua opção preferencial para uma eventual coligação partidária. Além da dificuldade de se chegar a um acordo regional sobre o candidato à prefeitura paulistana - se o ex-governador Geraldo Alckmin ou o atual prefeito, Gilberto Kassab -, há agora a diferença programática a separar os dois partidos. E a vontade crescente do Democratas de tentar o vôo solo, mesmo que seja para perder a eleição. O que os Democratas acreditam é que estaria na hora de tentar uma experiência liberal, com uma reforma do pacto federativo para diminuir o tamanho do Estado e reduzir a carga tributária. A derrubada da CPMF começou com uma campanha apelidada "Xô CPMF", liderada pelo deputado federal Paulo Bornhausen, e, apesar do sucesso da iniciativa, o sobrenome do deputado indica uma séria questão a ser superada pelo Democratas. A mudança da imagem do partido, com novo nome e nova logomarca - uma árvore estilizada, não por acaso semelhante à que simboliza o partido Conservador da Inglaterra - trouxe também a substituição das lideranças. Mas a base do partido continuam sendo as tradicionais famílias políticas. O novo presidente, deputado federal Rodrigo Maia, é filho do prefeito do Rio, Cesar Maia; o deputado Paulo Bornhausen é filho do ex-presidente do partido, Jorge Bornhausen, e uma das principais lideranças jovens é o deputado federal ACM Neto, neto do falecido senador Antonio Carlos Magalhães. Assim como o Democratas quer deixar de ser herdeiro do PFL, que era herdeiro do PDS, que tinha sua origem na Arena, partido de sustentação do regime militar, também seus jovens políticos terão que ter uma atuação política vigorosa para não serem apontados como meros membros de oligarquias políticas. A batalha da CPMF foi um marco promissor, inclusive pela atuação do senador José Agripino Maia, membro de outra oligarquia nordestina mas que, hoje, representa uma visão bastante moderna do papel do Estado. A busca do "Estado mínimo", deixando ao empreendedorismo privado as iniciativas principais de desenvolvimento, é uma plataforma política liberal que os Democratas pretendem aprofundar na eleição presidencial, e que mais uma vez os separa da visão de José Serra, que acredita no "Estado regulador". A plataforma liberal se aproxima mais do estilo administrativo do governador de Minas, Aécio Neves, que, no entanto, não coloca os Democratas entre suas parcerias preferenciais. Serra é tido como "mais à esquerda" do que Aécio, e no entanto o governador mineiro tem relações sólidas com setores do PT, enquanto o governador paulista se aproximou muito do Democratas na gestão da prefeitura, e só agora começa a revelar sua capacidade de diálogo com o Palácio do Planalto. Com as principais bandeiras do governo tendo sido quase todas "roubadas" da oposição, como as políticas sociais, a estabilidade fiscal, o controle da inflação, e a popularidade em alta do presidente Lula, será difícil fazer uma campanha eleitoral claramente oposicionista. O PSDB joga com a eficiência da gestão de seus governadores para convencer o eleitorado de que pode fazer melhor, em condições econômicas semelhantes. E os Democratas, se correrem sozinhos, terão mais facilidade explorando o novo nicho de defesa dos cidadãos. Resta saber se o presidente Lula chegará à campanha presidencial com a popularidade em alta e com capacidade (e vontade) de transferir essa popularidade para um candidato de sua base parlamentar. Isso se essa base resistir até lá. |
Entrevista:O Estado inteligente
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