Atração fatal
Pobre Brasil, aqui nem o capitalismo viceja! Tudo o que os empresários privados querem é uma sociedade com as estatais. Chegam a brigar por isso. Um exemplo, nesta última semana, foi o leilão da primeira hidrelétrica do Rio Madeira. A Odebrecht, que parecia comandar tudo, acanhouse na formação do consórcio, enquanto o Estado se agigantava. Está virando um investimento estatal com minoria do setor privado.
Os empresários brasileiros chegam a se enfrentar até na Justiça pelo direito de se juntar a uma estatal.
Foi o que se viu na preparação dos consórcios interessados na disputa da Usina de Santo Antônio.
Primeiro, a Odebrecht disse que Furnas tinha feito um contrato de exclusividade com ela pelo qual nenhuma empresa estatal poderia se associar a qualquer dos seus concorrentes.
Queria exclusividade de associação com o Estado.
O setor estatal, que já controla 60% da geração brasileira, teria que ser monogâmico. Casar só com a Odebrecht. A Camargo Corrêa estrilou.
Queria direito a se casar com alguém da família Eletrobrás.
E, depois de idas e vindas na Justiça, guerra de liminares, Cade-SDE, acabou conseguindo esse direito. Mas talvez quisesse a mesma noiva, a bemamada Furnas, porque decidiu entrar no consórcio com apenas 1% do capital.
A lista de interessados no leilão tinha o Estado nas três concorrentes. Ganhou Odebrecht-Furnas, mas a estatal ficou com (39%) mais que o dobro do capital da empreiteira (18%).
E não foi só isso, a Cemig também entrou. E como isso não era o bastante, entrarão também os fundos de pensão das estatais. Ou seja, o empreendimento será mesmo é estatal. O BNDES, grande financiador, pode ser também um dos sócios. Se der alguma coisa errada, quem será que ficará no prejuízo? Recentemente a Braskem (nascida da mesma Odebrecht) comemorou o fato de a Petrobras ter aumentado, de novo, o capital na empresa.
Curioso é que, em agosto, quando a Petrobras comprou a Suzano por uma montanha extravagante de dinheiro, a empresa protestou.
O presidente da Braskem, José Carlos Grubisich, disse o seguinte: “Vemos com preocupação essa compra porque pode levar à reestatização do setor.” Agora está tudo bem, porque o que a estatal comprou foi mais um pedaço do capital da Braskem.
Quando Grubisich chegou da França, com o currículo de ter presidido uma grande multinacional, parecia trazer idéias novas para o sempre incipiente capitalismo brasileiro.
Durante os anos à frente dos negócios petroquímicos da Odebrecht, a presença da Petrobras foi ficando cada vez maior na empresa.
Hoje a segunda geração da petroquímica é um duopólio no qual o detentor do monopólio da matériaprima está presente nas duas pontas. Sem chance de haver qualquer competição.
Agora, nossos capitalistas podem dormir tranqüilos, pois são todos aliados e ninguém é ameaça.
E lá está também, no capital da moderna Braskem, o velho e bom BNDES como sócio. Nada como ter o financiador como sócio.
No mercado, os jovens analistas setoriais dos bancos comemoraram a “reestruturação” da petroquímica.
As empresas brasileiras não gostam do capitalismo.
Competição, livre mercado, riscos; tudo isso parece muito arriscado para elas.
“Temos uma união de forças importante com a Petrobras, que deixa de ser uma ameaça, uma competidora às empresas privadas, para ser uma aliada e participar ativamente do desenvolvimento estratégico das empresas. Isso dá mais clareza ao rumo estratégico da Braskem”, disse Grubisich ao GLOBO, há duas semanas.
Assim também foi no caso da construção do maior e mais difícil projeto hidrelétrico do país, o complexo do Rio Madeira: ninguém pensou em ir para a floresta fazer uma hidrelétrica sem ser de mãos dadas com o governo. O que inicialmente era uma participação minoritária se expandiu e agora, na verdade, o Estado é que estará no comando. Assim fica muito mais confortável: risco menor, mais capital do Estado e, para variar, um bloco de ações nas mãos do banco financiador estatal. A clareza do rumo estratégico é total, tanto nas hidrelétricas quanto na petroquímica.
Há muito tempo, a Braskem buscava isso, e a operação era vetada por outras empresas que queriam ter esse privilégio exclusivo de se unir à estatal de petróleo. Agora a Petrobras está em todas as pontas, a ameaça acabou. O que melhor do que isso? Grubisich responde: “Evidente que é sempre bemvinda uma política industrial.” Evidente. Depois de estatizar o setor, agora vem a cereja do bolo: o planejamento estatal.
Os empresários brasileiros têm saudades dos tempos em que o Estado fechou o mercado no país e tudo era centralmente planificado.
Foi assim que o poder estatal deu à luz o setor petroquímico nacional: eram três grupos, a Petrobras sócia dos três e havia um sócio estrangeiro em cada central. Foi assim que se construíram hidrelétricas a qualquer custo, que forneciam energia subsidiada para as empresas.
Foi assim que nasceram as siderúrgicas, que forneciam aço subsidiado para toda a indústria. Nos anos 90, veio o perturbador processo de privatização.
Agora volta tudo aos eixos: dois grupos petroquímicos, a Petrobras sócia dos dois. A estatal deixa de ser uma ameaça.
Na energia, o Estado, que sempre foi grande na geração, vai ser cada vez maior. Tudo em ordem na velha ordem brasileira.
Entrevista:O Estado inteligente
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