Do lado errado
O Brasil foi para Bali para fazer, de novo, uma triste figura. Juntou-se aos piores e virou parte do impasse que paralisa a convenção que tenta construir uma chance de sobrevivência do planeta. A posição de não aceitar metas de redução das emissões dos gases de efeito estufa é travestida de correção de injustiças globais, quando, na verdade, é pura insensatez: na prática, significa querer o direito de destruir a Amazônia.
Quando o governo, na quinta-feira, divulgou como vitória os 11.224 km² de Amazônia destruídos este ano, ele já sabia que a notícia não era boa. Foi apresentada como boa como parte da mistificação para vender ao público interno que estamos na liderança do processo de discussão climática. Não é verdade. O Brasil está diplomaticamente isolado lá fora e, aqui dentro, essa postura está recebendo críticas de todos os especialistas.
O governo apresentou o número como bom, mas ele é maior que a estimativa de 9.000 km² para 2007 e, por razões de calendário, não incluiu o recente aumento de desmatamento do Pará e de Mato Grosso. O governo diz que temos “metas internas”.
Isso é enganação.
Metas internas são políticas de governo, não substituem um compromisso internacionalmente assumido de lutar para evitar o desmatamento.
A teimosia do Itamaraty em manter essa posição de rejeição às metas é seguida pelo Ministério do Meio Ambiente, por disciplina, e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, por inércia. Baseiase na seguinte premissa: os ricos começaram a poluir há mais tempo, desde a revolução industrial, por isso, eles é que têm a responsabilidade de reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Além do mais, os países em desenvolvimento têm o direito a se desenvolver. Parece uma boa e justa posição; mas é obsoleta e perigosa.
De fato, eles começaram a poluir há mais tempo, no entanto a mudança climática é uma questão tão grave que não comporta essa visão apenas Norte-Sul do problema. Além disso, os fatos vêm mudando rapidamente.
A Europa já está assumindo sua responsabilidade e seguindo metas mais rigorosas que as de Kioto. O governo de George Bush está isolado nos Estados Unidos. Bush não convence nem os candidatos republicanos com a estupidez de se negar a assinar o protocolo. O Partido Republicano se dividiu e agora a maioria dos précandidatos tem uma posição mais favorável à participação no esforço internacional contra a mudança climática. O único governante que apoiava Bush pagou o erro com o cargo: o australiano John Howard. O novo primeiro-ministro da Austrália foi a Bali para avisar que assina Kioto e participará dos esforços internacionais.
Foi ovacionado.
O Brasil assinou Kioto porque o protocolo encerra este equívoco: o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” é interpretado como uma licença para poluir dada aos países emergentes. Se essa licença de destruir um planeta ameaçado já era maluca, ficou ainda mais contraditória nos anos recentes: 80% do aumento da demanda por combustíveis fósseis no mundo, nos últimos cinco anos, foram de países emergentes. A maior parte disso é China e Índia, com seu poluidor modelo de desenvolvimento. A China não é um país pequeno e frágil; é um país que tem US$ 1 trilhão em reservas, que teria capacidade de investir num projeto de crescimento baseado em fontes menos destruidoras do meio ambiente.
O ritmo e a forma como cresce são tão lesivos que até seus autoritários dirigentes começam a defender o esforço de mitigação.
Mas é ao lado do sujão China, com uma matriz energética baseada no carvão, que o Brasil se posta com essa sua posição de recusar metas internacionais.
A China, para reduzir as emissões, terá que diminuir o uso do único combustível que tem em grande quantidade: o carvão. Terá que adotar novas tecnologias que diminuam a emissão das usinas. Para os chineses, o dilema desenvolvimento ou controle das emissões faz mais sentido.
E nós? Nossa emissão é em 75% derivada da destruição da floresta amazônica.
E que desenvolvimento nos traz a destruição da floresta? Na semana passada, o “Bom Dia Brasil” exibiu uma impressionante série de reportagens mostrando como é na prática: ribeirinhos que estão convivendo com a floresta por gerações são expulsos, suas casas queimadas pelos grileiros; estradas que oficialmente não existem cortam a floresta para carregar enormes troncos de árvores cortados para serem consumidos aqui mesmo no Brasil, o resto vira carvão. Depois tudo se torna pasto para o gado que vendemos no exterior com o marketing de “boi verde”. Os papéis de propriedade são, na maioria, falsos.
Nada do que acontece na Amazônia lembra remotamente o desenvolvimento.
Por que se bate a diplomacia, a outrora sensata diplomacia brasileira? Ela se bate pelo grileiro? Pela ocupação ilegal da Amazônia? Pelo desmatamento? Os interesses brasileiros, os reais interesses nacionais, são proteger nosso patrimônio natural por todas aquelas antigas razões que aprendemos e também pelas novas: a Amazônia é uma fábrica de chuvas, um regulador do clima, o maior banco de diversidade biológica do planeta.
Pela floresta que ainda temos e os outros não têm, pelos biocombustíveis que aprendemos a fazer há mais tempo, pela matriz energética menos nociva ao meio ambiente, pela nossa vasta e desconhecida biodiversidade, o Brasil deveria liderar a solução, em vez de tentar encontrar formulazinhas de araque para esconder o fato de que não quer cooperar numa solução global.
Entrevista:O Estado inteligente
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