Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 09, 2007

AUGUSTO NUNES SETE DIAS

O bandido que chefia cadeias


No Brasil não existem bandidos de nascença, já explicou o presidente. A multidão dos fora-da-lei é formada por filhos dos grotões miseráveis, que cruzaram a infância sem pai nem mãe, sem escolas, só com fome. Se tivessem estudado, o país não precisaria de cadeias, muito menos de presídios de segurança máxima. Não haveria feras a engaiolar, acredita Lula. Não haveria, por exemplo, nenhum Fernandinho Beira-Mar.

Luiz Fernando da Costa, nascido em Duque de Caxias, só ganharia o apelido hoje famoso quando partiu para a conquista, à bala, da Favela Beira-Mar. Nem sabe o nome do pai. A mãe, uma faxineira analfabeta, morreu quando o filho era ainda menino. Privado de carinhos, cuidados e estudos, mal chegara à adolescência no dia em que foi recrutado por uma quadrilha de traficantes de drogas. Aos 20 anos, já promovido a gerente, foi condenado pela primeira fez. Ao voltar às ruas, 24 meses mais tarde, tornara-se doutor em bandidagem.

Audacioso, esperto, ambicioso, brutal, assumiu o controle de inúmeros morros e, em seguida, a liderança da maior e mais violenta organização criminosa do Rio. Na prisão ou em liberdade, permaneceu no leme. Na virada do século, deixou o país e estabeleceu com os guerrilheiros das Farc uma surpreendente e lucrativa parceria. Capturado na Colômbia em 2001, está preso até hoje. Não precisa do direito de ir e vir. Graças ao celular, vai e vem com pernas alheias.

Nunca parou de dar ordens ao bando mais poderoso do Rio, acaba de confirmar a Polícia Federal. A ausência física do chefão é compensada pela onipresente advogada Jacqueline Alcântara, mulher de Beira-Mar há 15 anos e administradora da quadrilha, como ficou comprovado ao longo da Operação Fênix. É um bom nome, mas não combina com Beira-Mar. Ele nunca renasceu das próprias cinzas.

Para ressuscitar, primeiro precisaria morrer. Mas sempre pareceu mais vivo que nunca. As celas que ocupa lembram escritórios. Antes dos presídios federais de segurança máxima, viajou de avião pelo Brasil inteiro, em busca de anfitriões dispostos a hospedá-lo. Recusado por todos, somou uma quantidade de milhas aéreas suficiente para deixar rubro de inveja um veterano comissário de bordo.

Depois das cadeias federais, a vida ficou melhor ainda. Em 2006, instalado em Catanduvas, nomeou-se prefeito do lugar, impôs a paz entre os presos e costurou alianças com os carcereiros. Em julho, ao transferir-se para Campo Grande, criara o primeiro hotel-xadrez do mundo. Repetiu a proeza no novo endereço. A comida melhorou, as brigas acabaram, os valores das propinas foram reajustados.

Para mostrar quem mandava, não precisou massacrar bandos rivais, como fez em Bangu há cinco anos. Dispensado desses incômodos, conseguiu tempo para cuidar de pendências afetivas. Em setembro, por exemplo, oficializou o casamento com Jacqueline. Há sete dias, o programa Domingo espetacular, da TV Record, mostrou com fotos e filmes como a coisa foi. Nunca se viu algo parecido em qualquer cadeia do planeta.

A celebração, presidida por um pastor evangélico, teve por cenário a sala do diretor. O noivo estava de fraque. A noiva, de vestido branco. Trocadas as alianças, o casal ganhou de presente uma lua-de-mel que durou dois dias. Por sugestão do diretor amigo, a comemoração de praxe foi realizada 23 dias depois, num condomínio na Barra da Tijuca. Foi bonita a festa.

Uma foto em tamanho natural representou o noivo. O presidente da Mangueira apareceu com um grupo de ritmistas, discursou e entregou à noiva uma placa de prata. Foi destituído nesta quinta-feira. Beira-Mar segue firme no posto.

Quando a poeira baixar, não seria má idéia transferi-lo para alguma prisão paraense. O prefeito das cadeias nunca permitiu que se misturem numa cela homens e mulheres, ou que uma adolescente seja violentada na cela. A governadora Ana Júlia Carepa precisa de alguém que bote ordem no sistema carcerário. Beira-Mar pode ser o cara. É tão bandido quanto os xerifes do Pará. E, talvez, menos perigoso.

Cabôco Perguntadô

O pedido de abertura de inquérito contra o senador Renan Calheiros chegou ao Supremo Tribunal Federal na quarta-feira. De novo, os pistoleiros do Senado sacaram primeiro: na véspera, 51 comparsas haviam livrado o colega de quaisquer acusações, denúncias ou suspeitas. Para os pais da pátria, pouco importam as patifarias descritas na papelada encaminhada ao STF. Consumada a segunda absolvição, fica estabelecido que Renan não pecou. Nem sequer quebrou o decoro parlamentar.

O Cabôco acha que essa obra-prima da pornopolítica merece um desfecho exemplarmente obsceno. E pergunta: por que não reconduzir Renan à presidência do Senado?

Tom Jobim tinha razão

Concebido para medir o grau de conhecimento de estudantes na faixa dos 15 anos em diferentes áreas, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos acaba de divulgar os resultados colhidos em 2007. A radiografia abrangeu 57 países e três disciplinas. O Brasil aparece muito mal em todos os retratos. Ocupa o 48º lugar em leitura, o 52º em ciências e o 53º em matemática.

Sempre que ouvem reparos à formação escolar de Lula, professores companheiros berram que isso é coisa de preconceituoso, mania de grã-fino. A moçada endossa a tese, avisam os rankings. Se a ignorância virou virtude, pecado é estudar.

O Brasil é muito longe, dizia Tom Jobim. É isso.

A peça publicitária produzida pela editora do livro Lula é minha anta, de Diogo Mainardi, não completou uma semana de exibição nas telinhas administradas pela Infraero. Aquilo era "propaganda política", decidiu um figurão da sigla que transformou os saguões dos aeroportos em shopping centers com vista para o próximo desastre. E o anúncio saiu do ar por ordem do censor anônimo.

O episódio informa que, além da anta de Mainardi, existe a anta da Infraero. Aquela finge não ver o que está na cara. Esta finge enxergar o que não há. Uma odeia leituras. A outra detesta até anúncio de livro. As muitas semelhanças comprovam que as duas antas são mais que parceiras de espécie. São companheiras.

O eleitor que vale 100 votos

Uma pesquisa nacional sobre a idéia de conferir ao presidente o direito de exercer três mandatos consecutivos constatou que 63% dos brasileiros rejeitam a inovação. "Se tivessem me entrevistado, seriam 64%", comunicou Lula. É bom saber que o presidente desaprova essa esperteza. É desolador constatar que, para ele, não há diferença entre 1 e 1%. Para que fosse acrescentado um ponto percentual aos 63% registrados pelo Datafolha, outros 100 eleitores teriam de ser incorporados ao universo da pesquisa (11.741 entrevistados).

Ou Lula é uma nulidade também em matemática ou acha mesmo que vale por 100. É até pouco para quem fez em cinco anos o que não fora feito em 500.

Yolhesman Crisbelles

A taça da semana vai para o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, por ter comprovado, com duas frases sobre o mesmo assunto, que é muito mais ágil que o amigo Lula no quesito "metamorfose ambulante".

1) Aceito o resultado do plebiscito e cumprimento a oposição pela vitória.

2) Com a ajuda da mídia golpista, a oposição conseguiu uma vitória de merda.

A primeira declaração, balbuciada ainda no domingo, sugere que o lutador nocauteado horas antes continuava meio mareado. A segunda, pronunciada na quinta-feira, informa que Chávez já recuperou a inconsciência. E só pensa na hora da revanche.

Arquivo do blog