Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Merval Pereira - Efeito cascata



O Globo
21/12/2007

Já comparei aqui o presidente Lula ao personagem-título de um pseudodocumentário de Woody Allen sobre a vida de Leonard Zelig, o homem-camaleão, que modificava a aparência para se adaptar aos ambientes e agradar às outras pessoas. Pois, passada a ressaca da derrota no Senado na prorrogação da CPMF, o presidente Lula disse ontem que ela não lhe tirou "um segundo" de sono. Estranho, pois a simples possibilidade de que ela acontecesse desencadeara nele uma fúria poucas vezes vista, provocando talvez os mais agressivos discursos contra a oposição, jogando o povo, que na sua palavra não pagava CPMF, contra a elite sonegadora. Era tudo de mentirinha. Como também é de mentirinha a calma que ele faz questão de externar hoje.

Como não é possível negar que os Democratas saíram da disputa com a reafirmação de uma posição que pode lhes dar, a médio e longo prazos, relevância no jogo político, o governo agora se empenha em difundir a tese de que, ao contrário, o PSDB saiu-se mal. O próprio Lula, ontem em conversa com jornalistas, tentou reduzir a vitória da oposição: "Alguns acharam que o presidente ia ficar muito forte e fazer o sucessor em 2010. Eu acho isso uma pobreza de espírito. Isso me dá pena".

A frase da líder do PT no Senado, Ideli Salvatti, para o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, é exemplar: "Vocês estão muito a reboque desses maluquinhos do DEM", disse ela. Os "maluquinhos" do DEM não são um canal de negociação confiável e nem representam perigo, por enquanto, mas os tucanos, apesar de serem os adversários mais fortes, ainda guardam uma tendência ao diálogo que, para surpresa do governo, foi quebrada sem aviso prévio nessa negociação.

Quando o governo Lula começou a negociar, no início de seu primeiro mandato, as reformas estruturais que os petistas haviam boicotado durante os oito anos de governo tucano, a explicação era a mais singela possível: "Estávamos em luta política".

Agora, depois de cinco anos sendo criticado por exercer uma oposição indefinida, tendo ajudado o governo em várias situações em que a base parlamentar de apoio faltou, o PSDB resolveu dar prioridade à "luta política", mesmo contra o interesse de seus principais governadores e até mesmo contra a lógica da negociação, já que o governo, no último momento, havia cedido em tudo.

Mas essa radicalização dos tucanos tem também sua lógica, e eles acreditam que ela prevalecerá na opinião pública. Pesquisa da Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública do Senado revela que a maioria dos moradores nas capitais, nada menos que 78%, aprova o fim da cobrança da CPMF. Noventa e cinco por cento consideram que há muitos impostos no Brasil, e 70% acham que o governo usa mal o dinheiro dos impostos. A solução para ajustar o Orçamento sem a CPMF é, para a maioria, "economizar gastos".

A oposição acredita que esse apoio só fará aumentar. Para começo de conversa, grande parte dos R$40 bilhões estará em circulação na economia, e muita gente vai sentir no bolso a conseqüência. Além disso, existe a possibilidade concreta de que alguns preços sejam reduzidos, por mais ingênuo que possa parecer.

Não é à toa que os principais dirigentes empresariais, que se empenharam na derrubada da CPMF, estão fazendo apelos, públicos e privados, para que os preços sejam reduzidos, para que fiquem claras para a população as vantagens do fim do tributo. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que liderou a campanha, já determinou que "em todos os serviços prestados pelas entidades que preside - Ciesp, IRS, Sesi e Senai de São Paulo - seja feita, a partir de 1º de janeiro, a compensação do percentual referente à CPMF".

Também o diretor de Economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Andrew Frank, avalia que os preços ao consumidor devem ser reduzidos com o fim da cobrança, citando o segmento de eletrodomésticos como um dos que pode ter redução de preços devido ao fim do "efeito cascata" nas várias etapas de sua produção.

O governo, por sua vez, terá oportunidade de dar o exemplo e ao mesmo tempo de usufruir as vantagens do fim do imposto. No primeiro caso, a Petrobras poderá reduzir o preço da gasolina com o fim da CPMF. Ao mesmo tempo, o principal preço afetado pela CPMF é o da dívida pública, e o governo, pelas contas do economista Paulo Rabello de Castro, pode economizar cerca de R$10 bilhões na negociação dos títulos públicos, equivalente ao peso da CPMF na formação de taxas de juros nas renegociações da dívida pública.

Como um mesmo título é negociado mais de uma vez, o economista Paulo Rabello calcula que o gasto da CPMF equivale a 1% do total. É justamente sobre esse "efeito cascata" da CPMF que se verificava a característica mais perversa do tributo, pois isso fazia com que seus efeitos fossem muito além do que o governo simplificava, dizendo que apenas quem tem conta bancária pagava o CPMF.

Estudo dos economistas Nelson Paes e Mirta Bugarin definiu que a alíquota efetiva da CPMF sobre as despesas de consumo em cada faixa de renda das famílias, devido ao efeito cumulativo do tributo, é de 1,31% a 1,33% em média, e pode ser determinada por setores como: Alimentação 1,27%; Habitação 1,38%; Vestuário 1,42%; Transporte 1,46%; Fumo 0,98%; Higiene Pessoal 1,06% e despesas diversas 1,08%. É nessa proporção que deveriam cair os preços após a derrubada da CPMF.

O fato é que qualquer empresário tenta repassar para o preço do seu produto todo custo de produção, embora alguns até possam não conseguir. Reduzido o custo sem a CPMF, a tendência será tentar manter o preço e aproveitar para elevar o lucro. Onde houver mais concorrência, no entanto, é maior a chance de redução de preço.

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