Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Luiz Garcia - Parentes pobres




O Globo
7/12/2007

Continuam ambíguas as relações entre o governo Lula e a ética. Não é afirmação subjetiva, coisa de eleitor desapontado ou adversário monotemático. Trata-se de conclusão singela - e obrigatória - provocada pela ambigüidade persistente nas relações entre o Planalto e a Comissão de Ética Pública, a ele subordinada.

Pouco tempo atrás, tornou-se público que o Planalto tratava a comissão com indiferença beirando o desprezo. Jamais se ouviu uma só palavra do presidente ou seus porta-vozes que significasse reconhecimento da importância de um fiscal interno, obrigatoriamente apartidário.

Pelo contrário: aparentemente, o Poder Executivo parece se sentir, diga-se sem malícia, mais tranqüilo e confortável com um fiscal capenga e tolhido. Algum motivo existe para o fato de que a comissão, nascida com sete integrantes, estava até outro dia, na administração petista, reduzida a quatro.

Agora, alvíssaras: os quatro já serão cinco, com a nomeação de Sepúlveda Pertence, jurista conhecido e respeitado, ministro do STF desde 1989 e agorinha aposentado.

Acontece que esse indício de que o governo reconhece a importância do fiscal doméstico é contrabalançado pelo caso do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que acha natural acumular a pasta com a presidência do PDT. Os vigias da ética dizem que não pode ser assim, baseados em pareceres de juristas respeitados. Como lembrou Marcílio Marques Moreira, presidente da comissão: "O presidente do partido é um particular, que pode fazer tudo que a lei não proíbe; como autoridade, está sujeito ao direito público: pode fazer apenas o que a lei prescreve."

Em face do conflito entre o ministro e a comissão, cabia ao Palácio do Planalto, pelo menos, sair à cata de um jurista que provasse o contrário. À falta de respaldo, seria inevitável a conclusão de que Lupi tinha de se submeter à exigência ética. Mas o governo preferiu ignorar a contenda - o que significa, automaticamente, dar ganho de causa ao ministro glutão.

Sepúlveda, com seus oito anos no Supremo Tribunal Federal, aumenta, ao menos em tese, o poder de fogo da comissão. Em tese (é preciso repetir, para evitar aparência de ingenuidade), surgiu um indício de que o governo começa a aceitar a necessidade dos guardiães da ética.

Na prática, no entanto, sem enquadramento do ministro do Trabalho, todas as esperanças são bolhas de sabão. Os membros da Comissão de Ética Pública continuarão a ser no governo Lula algo como parentes pobres e desprezados, a quem jamais se dá ouvidos: apenas teto e assento à mesa do jantar - bem longe da cabeceira.

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