Próteses biônicas que reproduzem quase à perfeição os movimentos das pernas. Já há brasileiros que as usam
Adriana Dias Lopes
Nabor Goulart |
O gaúcho Jeancarlo Ravizzoni: com a prótese inteligente, ele pode acompanhar as brincadeiras dos filhos |
Na noite de 1º de junho de 1996, o gaúcho Jeancarlo Ravizzoni, então com 21 anos, sofreu uma mudança drástica de vida. Em vez de ir a uma festa de carro, como planejado, ele aceitou a carona de um amigo e foi de motocicleta. No meio do caminho, uma caminhonete desgovernada atingiu-os. No acidente, Ravizzoni perdeu a parte inferior da perna esquerda. Ao longo da última década, para se locomover, ele contou com a ajuda de uma prótese mecânica. Há dois meses, no entanto, Ravizzoni voltou de fato a andar – e a correr, a subir e a descer escadas, a jogar futebol e a praticar skate. Isso só foi possível graças a sua nova prótese biônica (o adjetivo é usado pelos fabricantes). Lançadas há menos de um ano nos Estados Unidos e em alguns países europeus, essas próteses estão revolucionando a vida de quem passou pelo drama de ter o pé ou a perna amputados. Elas são capazes de realizar movimentos muito semelhantes aos naturais, sem praticamente nenhum esforço por parte do amputado. Pelo fato de serem mais rígidos, os modelos tradicionais exigem até o triplo de energia para executar suas funções. Ravizzoni, por exemplo, não agüentava ficar mais de oito horas seguidas com a prótese antiga. "Hoje, chego do trabalho e ainda tenho fôlego para brincar com meus filhos", diz ele.
Por intermédio de sensores, computador e um minúsculo motor, a prótese biônica consegue cruzar uma série de dados do meio externo para adequar-se às necessidades do usuário. Sensores localizados na "sola do pé" da prótese processam em tempo real as três principais informações para a realização de um passo: o peso da pessoa, a inclinação do terreno e o ponto de apoio na base do pé artificial (veja quadro abaixo). O conjunto eletrônico analisa até 1.600 dados por segundo. "Não resta dúvida de que se trata da pisada artificial mais próxima da natural já vista até hoje", diz a fisiatra Rosane Chamlian, chefe do grupo de Amputações e Próteses, da Universidade Federal de São Paulo. As próteses biônicas conseguem identificar automaticamente desníveis a partir de 1 centímetro, o que lhes permite adaptar a pisada à altura necessária para vencer os obstáculos do terreno. Se não fosse por isso, seus portadores viveriam tropeçando. É o que ocorre com os que utilizam próteses tradicionais, quando não prestam atenção no chão em que pisam.
No Brasil, estima-se que sejam feitas 80.000 amputações a cada ano. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as pernas são os membros mais atingidos, principalmente do joelho para baixo. Cerca de 70% das amputações são seqüelas de problemas vasculares, como os ocasionados pelo diabetes. Apenas 20% dos casos são decorrentes de acidentes de trânsito. O principal empecilho da nova tecnologia é o preço. Uma única prótese biônica sai por 40.000 reais, o quádruplo do valor das próteses mecânicas. "Com o tempo, esse custo tende a cair", diz a médica Rosane Chamlian. Por enquanto, as novas próteses são fabricadas apenas por uma empresa, a islandesa Ossur, e são usadas por 500 pessoas em todo o mundo – três delas brasileiras.
O primeiro relato do uso de uma prótese data do século V a.C. Segundo o historiador grego Heródoto (484-425 a.C.), um soldado, feito refém em Esparta, decepou o próprio pé para se livrar das correntes que o mantinham preso. No lugar do pé amputado, ele colocou um pedaço de pau. Foi na segunda metade do século XX, contudo, que surgiram as próteses com movimentos nas articulações. Os primeiros modelos fabricados eram de madeira. Nos anos 80, esse material foi substituído por fibra de carbono, muito mais leve e maleável. Uma década atrás, a empresa alemã Otto Bock lançou uma prótese munida de sistema hidráulico, que permite ao usuário variar a velocidade do passo. Foi a partir dela que se desenvolveram as versões biônicas.
As próteses tradicionais podem ser revestidas de espuma, látex e silicone, principalmente. O silicone chega a imitar os pêlos e as veias da pele. No caso das novas próteses, o fabricante não recomenda coberturas de nenhum tipo. Elas são tão modernas que ainda não se inventou um revestimento capaz de resistir a movimentos tão amplos e velozes. Isso não faz diferença para Ravizzoni. "Se eu tenho uma Ferrari, por que a esconderia?", diz ele.
Foto divulgação