Biografia escrita por uma veterana do jornalismo
de celebridades mostra como a princesa usou a
imprensa de fofocas para construir o próprio mito
Jerônimo Teixeira
Tim Graham/Getty Images |
A ARISTOCRACIA DA EXPOSIÇÃO O casamento com o príncipe Charles, acompanhado em todo o mundo: "A burrice da realeza foi não perceber o trunfo que Diana representava", diz Tina Brown |
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Na onda de indignação pública que se seguiu ao acidente no túnel da Pont de L’Alma, em Paris, na madrugada de 31 de agosto de 1997, foram os paparazzi que levaram a maior parte da culpa. Se não fosse pela perseguição implacável dos motoqueiros fotógrafos, o Mercedes que conduzia a princesa Diana e seu namorado da estação, o playboy egípcio Dodi al Fayed, jamais teria se espatifado contra um pilar do túnel. É claro que o fato de o segurança Henri Paul ter misturado bebida e antidepressivos antes de assumir o volante influiu no acidente – mas o motorista bebum, a bela princesa e seu acompanhante ainda poderiam estar vivos hoje não fosse pelos abutres da imprensa marrom. Segundo a jornalista inglesa Tina Brown, contudo, essa avaliação negligencia a relação que Diana mantinha com os paparazzi e os tablóides para os quais eles vendiam suas fotos. Logo no primeiro capítulo da biografia Diana – Crônicas Íntimas (tradução de Iva Sofia Gonçalves e Maria Inês Duque Estrada; Ediouro; 452 páginas; 44,90 reais), ela observa que Diana e Dodi poderiam ter evitado o cerco dos fotógrafos se houvessem optado por uma noite íntima na suíte à prova de abelhudos do Ritz, de onde partiu o carro. O hotel, aliás, pertence ao pai de Dodi, o empresário Mohamed al Fayed, cujas doidas teorias conspiratórias são responsáveis pela reabertura dos inquéritos sobre o acidente (leia matéria). Sim, a pressão dos paparazzi precipitou a fatalidade. Mas, argumenta Tina, se Diana saiu para a noite parisiense, é porque queria ser vista e fotografada. "A mídia era a atração fatal de Diana. Ela ao mesmo tempo provocava os jornalistas e fugia deles", disse a VEJA.
Tim Graham/Getty Images |
Tina Brown é uma veterana do jornalismo de celebridades. Editou a revista Tatler, dedicada a fofocas da nobreza inglesa, nos anos 80, início do casamento de Charles e Diana, quando os ingleses começavam a se encantar com a jovem princesa. Mais tarde, já nos Estados Unidos, onde vive até hoje, ela foi editora da New Yorker e da Vanity Fair, em que escreveu uma reportagem pioneira sobre os percalços do casamento real – e também se dedicou às celebridades mais mundanas de Hollywood. Crônicas Íntimas traz todas as fofocas que se espera de uma jornalista tão enfronhada no estranho mundo da aristocracia inglesa. O livro é em alguns momentos reverente, quase hagiográfico quando fala da bondade de Diana. Seu forte, porém, está na análise detalhada da relação da princesa com a feroz imprensa sensacionalista britânica. Crônicas Íntimas mostra como ela administrou sua relação com a imprensa para construir o próprio mito. "Ela própria uma aristocrata, Diana sabia que a aristocracia de berço se tornara irrelevante. Tudo o que contava era a aristocracia da exposição", escreve Tina.
Esse afã promocional, argumenta o livro, representou um sopro de ar democrático na abafada casa de Windsor – que não soube aproveitá-lo. "A grande burrice da realeza foi não perceber o trunfo que Diana representava", diz Tina. A fotogenia ou a capacidade de encantar as multidões não estavam entre as qualidades que Charles buscara em uma noiva quando afinal decidiu se casar, sob pressão do príncipe Philip e da rainha Elizabeth, seus pais. Ele desejava apenas uma moça da nobreza, capaz de gerar herdeiros para a coroa e, de acordo com tradições anacrônicas para aquele início dos anos 80, virgem. Doze anos mais jovem do que o príncipe de Gales, lady Diana Spencer preenchia todos os requisitos. Com uma infância marcada pelo divórcio traumático dos pais e uma educação deficiente numa típica escola para dondocas de sangue azul, ela se viu realizando, em 1981, o antigo sonho que a leitura de romances água-com-açúcar lhe incutira: casou com um príncipe, em uma cerimônia de conto de fadas televisionada para todo o mundo.
João Silva/AP |
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A crise conjugal precipitada pela ligação de Charles com a antiga amante – e hoje esposa oficial – Camilla Par-ker Bow-les está devidamente documentada no livro, em todos os bem conhecidos detalhes sórdidos, como a gravação telefônica em que o herdeiro do trono britânico confessa seu desejo recôndito de ser um Tampax. Mas Tina examina outra diferença perigosa entre o casal: Diana batia Charles em popularidade. Em desfiles e eventos ao ar livre, o público tentava se aproximar dela, não do marido. Em sintonia com as massas, os fotógrafos buscavam a melhor imagem da bela princesa e quase ignoravam o príncipe orelhudo. A dissolução do casamento foi um verdadeiro evento de mídia – conduzido, é claro, por Diana, em entrevistas escandalosas nas quais reclamava da indiferença do marido e da hostilidade da família real.
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Tragédia sem fim
Teoria conspiratória dá combustível a nova
investigação sobre a morte de Diana
Fotos AFP e Leon Neal/AFP |
OBSESSÃO PATERNA |
Desde o início, a morte da princesa Diana deu mote a teorias conspiratórias. O maior fomentador delas é o milionário egípcio Mohamed al Fayed, pai de Dodi al Fayed, namorado da princesa e também vítima do acidente de 1997. Al Fayed sustenta uma teoria insólita: a de que Diana e o namorado foram assassinados pelo serviço secreto inglês, a mando da família real. O que levaria a realeza a se envolver numa empreitada tão sórdida? Diana estaria grávida de Dodi e prestes a anunciar seu noivado com ele. E seria inaceitável que a mãe dos dois herdeiros da coroa, os príncipes William e Harry, tivesse um filho muçulmano. Em 2004, depois de encerradas todas as investigações sobre a tragédia na França, um inquérito teve início na Inglaterra. Novamente se concluiu que a morte de Diana e Dodi foi apenas um acidente. Em março deste ano, uma juíza estava prestes a encerrar o processo quando Al Fayed conseguiu que a Justiça inglesa levasse o caso a júri – o que equivale a revisar, mais uma vez, todas as provas.
Nos últimos meses, peritos e jurados ingleses percorreram o trajeto feito pela Mercedes nas ruas de Paris e reviram o local em que ocorreu o desastre. Também foram divulgadas imagens inéditas da perícia, além de detalhes do socorro às vítimas. Soube-se que, no choque, o coração de Diana se deslocou violentamente no interior do tórax, o que causou a hemorragia que a matou. Um cirurgião britânico questionou aspectos do atendimento de emergência prestado pelos franceses. Veio à tona que Diana, em meio aos socorros, arrancou do braço um tubo de soro. O médico também criticou a decisão de operar a princesa pela frente, e não por uma incisão no lado afetado pela hemorragia, o que permitiria estancar a perda de sangue mais rapidamente.
Na segunda fase do inquérito, que enfocará a relação de Diana com Dodi, uma brasileira prestará depoimento. A embaixatriz Lúcia Flecha de Lima estabeleceu laços de amizade com a princesa quando seu marido, Paulo Tarso Flecha de Lima, ocupou a embaixada brasileira em Londres, nos anos 90. Seu depoimento, que estava programado para esta terça-feira e foi transferido para janeiro, deverá pôr em xeque a idéia de que Diana estava grávida, assim como a hipótese de um noivado iminente.
As especulações de Al Fayed têm, de fato, um sabor delirante. O milionário acusou a polícia inglesa de estar por trás da decisão dos médicos franceses de embalsamar o corpo de Diana, o que dificultaria um teste posterior de gravidez. O fato, porém, é que a princesa foi submetida a duas autópsias e em nenhuma delas se encontraram sinais de gestação. Além disso, o relacionamento era recente demais (começou cerca de dois meses antes da morte do casal). Ao acusar a família real de um suposto crime, por fim, Al Fayed tira de foco uma questão incômoda: a princesa morreu em razão dos erros do staff de segurança de um hotel que lhe pertence, o Ritz parisiense. Al Fayed nasceu no Egito colonial e sempre foi obcecado por se aproximar da aristocracia inglesa. Nunca, porém, obteve a cidadania do país – isso, apesar de ser dono da Harrods, a mais famosa loja de departamentos de Londres. Para além da dor da perda do filho, o ressentimento fica à mostra em sua cruzada.