Banco do Sul: desperdício e inutilidade
É sintomático que entre os fundadores - Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Paraguai, Venezuela e Uruguai - não esteja o Chile, o país sul-americano que mais avançou em instituições contra o populismo e propícias ao florescimento da democracia e da economia de mercado. O Peru não mostrou interesse. Se fizer contas, a Colômbia está fora.
A cerimônia homenageou os autores da infeliz idéia, Néstor Kirchner e Hugo Chávez. A ata marcou o último ato do ex-presidente da Argentina, enquanto a sede do banco será em Caracas, para prestigiar o presidente da Venezuela, seu maior inspirador.
Os discursos constituíram um festival de idiotices típicas, recheadas de frases sem conteúdo sério, nas quais a razão foi vencida pelo apelo emocional, fornecendo a falsa impressão de que o banco será a redenção regional.
O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse uma besteira: o banco seria o primeiro passo para a moeda única da América do Sul. Na Europa, onde as condições eram melhores, a moeda única nasceu de quase meio século de convergência institucional e macroeconômica.
O presidente do Paraguai, Nicanor Duarte, viu o fim da "colonização das mentes", que eliminará a dependência de organismos internacionais de crédito. Desinformação total. O banco, uma fonte de crédito raquítica, não concorrerá com esses organismos, que podem oferecer crédito mais disponível e barato.
Para Lula, "o banco é um passo decisivo para a integração da América do Sul" e vai assegurar "maior independência financeira" à região. Exagero. O banco não terá a menor importância para nós. Neste ano, os empréstimos externos obtidos pelo Brasil atingiram US$ 29 bilhões até outubro. Fala-se que os recursos do banco serão US$ 7 bilhões.
Chávez quer que o banco seja o nosso FMI, para evitar as condicionalidades e a influência do "imperialismo" americano. Puro populismo. A ausência ou a frouxidão de condicionalidades estimularão o comportamento irresponsável e o desperdício.
O porta-voz do governo brasileiro, Marcelo Baumbach, transmitiu uma mensagem sensata. "A solidez, a viabilidade e, principalmente, a eficácia do Banco do Sul dependerão de práticas e critérios firmes e críveis de governança e administração, que combinem, de forma justa e equilibrada, os princípios de representação paritária e da proporcionalidade." O ministro Guido Mantega disse coisa parecida e assegurou que as reservas internacionais do Brasil não serão usadas para capitalizar o banco.
Se for assim, nos livraremos de maiores desperdícios, mas o banco terá pouca ou nenhuma utilidade. Ao contrário do que se tem dito, os países da região não têm dificuldade de acesso a instituições multilaterais de crédito. Para bons projetos não faltarão recursos do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Corporação Andina de Fomento (CAF).
Na verdade, o acesso ampliado de países como o Brasil aos mercados internacionais de capitais - via abertura de capital das empresas e lançamento de papéis de dívida - criou um problema inverso, qual seja a baixa demanda pelo crédito dessas instituições.
As três organizações estão classificadas como grau de investimento. O Banco Mundial e o BID são triplo A, enquanto a CAF é A+, A1 ou AA, dependendo da agência de classificação. O Banco do Sul dificilmente alcançará esse status a curto e médio prazo. Pagará mais para captar recursos. Seus empréstimos serão mais caros.
Ainda não se sabe se na gestão do banco vigorará a prudência anunciada por funcionários brasileiros. Mesmo que não se transforme em canal para a indicação de apadrinhados e a concessão de empréstimos baseados em visões meramente políticas, cedo ou tarde se verá que as melhores fontes multilaterais de crédito, pelo menos quanto aos custos, continuarão sendo o Banco Mundial, o BID e a CAF.
Se não dispuser de adequados profissionais e boa governança, o Banco do Sul desperdiçará escassos recursos de seus acionistas. Se for bem estruturado, terá pouca ou nenhuma serventia. Talvez combine desperdício com inutilidade.