A oposição deu os votos necessários à renovação, até 2011, da Desvinculação de Receitas da União (DRU). Esse dispositivo, adotado pela primeira vez em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência, permite ao governo dispor livremente, ou com menores limitações, de 20% das verbas em geral sujeitas a destinação obrigatória. Foi o meio encontrado ainda no governo do presidente Itamar Franco para tornar o orçamento menos engessado.
A oposição agiu corretamente. Acertou ao derrubar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), um tributo de péssima qualidade, e acertou também ao preservar a DRU, embora fosse possível, nos dois casos, uma solução melhor. Teria valido a pena extinguir gradualmente a CPMF, em dois ou três anos, se o governo tivesse apresentado uma proposta confiável. Também teria sido melhor eliminar de uma vez as vinculações, em vez de renovar a DRU por mais quatro anos.
Apesar dos dois acertos, o debate sobre a questão fiscal pouco progrediu nos últimos meses. Esse debate simplesmente não interessa a uma parte do Parlamento, formada principalmente por aliados do governo. A qualidade dos projetos e das políticas não faz muita diferença para esse grupo, se for possível barganhar votos por vantagens de qualquer tipo.
Para conseguir a renovação da DRU, o governo fez concessões pesadas e até de legalidade duvidosa, em vista da Lei de Responsabilidade Fiscal, a aliados do Paraná e de Rondônia. Para atender aos primeiros, o governo federal assumirá, com base em projeto de resolução do Senado, dívidas de R$ 870 milhões do governo paranaense com o Banco Itaú, além de devolver R$ 200 milhões de multas aplicadas ao governo estadual por não ter pago os débitos. Para satisfazer aos segundos, o Senado suspendeu por 120 dias a obrigação do governo de Rondônia de pagar R$ 5 bilhões à União - dívida contraída durante a intervenção no extinto banco daquele Estado.
Outros grupos políticos, tanto da situação quanto da oposição, podem ter um real interesse na discussão das questões fiscais, mas parecem propensos a cometer novos erros. Alguns parlamentares quase embarcaram na idéia, lançada pelo ministro da Fazenda, de criação de um tributo similar à CPMF para financiamento da saúde. O presidente Lula mandou o ministro abandonar a idéia. Além disso, autorizou seus ministros a assumir, perante a oposição, o compromisso de não apresentar nenhum novo pacote de aumento de impostos. Qualquer novidade importante - este parece o sentido da mensagem - só deverá ser debatida quando entrar em pauta a reforma tributária no primeiro trimestre.
É impossível dizer agora se o governo resistirá à tentação de mexer em alguma alíquota para compensar parcialmente a perda dos R$ 40 bilhões da CPMF. Nem é esta, numa avaliação bem realista, a questão mais importante.
Relevante, mesmo, é saber: 1) se haverá disposição para enxugar as despesas do governo, em todos os Poderes, em vista de uma gestão mais eficiente do dinheiro público. Será um debate político difícil e caberá ao Executivo a responsabilidade principal por conduzi-lo a bom termo; 2) se os envolvidos nessa discussão terão suficiente bom senso para propor a eliminação das vinculações de verbas, um passo importante para a valorização do planejamento e para a eliminação de desperdícios; e 3) se a equipe de governo, os parlamentares e os governadores terão o bom senso e a coragem necessários para que se chegue a um sistema tributário menos oneroso para a produção e mais adequado a um país envolvido na concorrência global.
Se a trégua for mantida, o presidente Lula terá algum tempo, depois das festas de fim de ano, para uma boa reflexão sobre todos esses temas.