Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Ladeira abaixo

EDITORIAL
Folha de S. Paulo
7/12/2007

Eleições internas do PT resultam em mais uma vitória dos pragmáticos, dos mensaleiros e dos homens da máquina

SENHORAS GRÁVIDAS, pessoas de saúde frágil, almas impressionáveis ou sensíveis costumam ser avisadas, nos parques de diversão, que alguns brinquedos e programas radicais podem causar-lhes transtornos físicos e psíquicos, pelos quais a direção do parque não se responsabiliza.
Não será imprudente recomendar, do mesmo modo, que personalidades de trato delicado evitem acompanhar os lances da disputa entre os grupos de Ricardo Berzoini e Jilmar Tatto em torno da nova direção do PT.
Candidato à reeleição na presidência do partido, Berzoini venceu o primeiro turno com quase 45% dos votos da militância, contra cerca de 20% do segundo colocado, Jilmar Tatto. Os dois só diferem no modo pelo qual pretendem cozinhar a disputa pela sucessão de Lula. Berzoini o faria em fogo brando, ao gosto do freguês presidente, que deseja postergar o mais possível qualquer marola sobre 2010. Tatto apressaria a fervura, no interesse de tornar palatável o nome de sua madrinha, Marta Suplicy.
Nenhum dos dois, contudo, expressa intenções de rever o conjunto de práticas que, a partir das revelações do mensalão, precipitaram o partido numa gravíssima crise ética.
Ficou em terceiro lugar a corrente liderada por José Eduardo Cardozo, teoricamente ainda comprometida com a tênue idéia de uma "refundação" do PT.
A tese, já enfraquecida, não resistiu às vertigens e cabriolas da "realpolitik". O Partido dos Trabalhadores conhece, depois de suas eleições internas, mais uma vitória dos pragmáticos, dos homens da máquina, dos mensaleiros e dos fortes de estômago.
Entre Berzoini e Tatto, segundo se noticia, dão-se entendimentos no sentido de evitar o segundo turno da disputa. A unidade partidária, com efeito, parece garantida no essencial: trata-se de não mais "olhar no retrovisor", como definiu uma liderança petista. E seguir, em alta velocidade, ladeira abaixo.
A situação do PT tem repercussões que não se limitam à alçada interna do partido, e por isso merece comentário. A eleição de domingo passado poderia passar por um reflexo, afinal bastante raro no país, de organização e vitalidade da sociedade civil; enquanto a maioria dos partidos resolve suas disputas internas por meio do conchavo e do mandonismo, a participação direta dos filiados na sucessão petista constaria, sem dúvida, como um fator de democracia e oxigenação do ambiente.
A "lei de ferro das oligarquias", definida no longínquo 1911 pelo sociólogo alemão Robert Michels como um fator decisivo para a degradação burocrática dos partidos de massa, parece entretanto confirmar-se no caso do PT. Ganha contornos especialmente perversos numa cultura política como a brasileira, onde o conformismo, o peso da máquina e a reverência ao poder constituído são de praxe.
Tudo se reduz, enfim, à conhecida frase de Machado de Assis: ao vencedor, as batatas. Some-se Tatto a Berzoini, Berzoini a Tatto; não se chega a uma rima, muito menos a uma solução.

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