Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 07, 2007

O comício da saúde





7/12/2007

O governo federal improvisou um pacote de promessas velhas e novas, grudou-lhe um rótulo de PAC da Saúde e apresentou-o num grande comício em defesa da renovação do imposto do cheque, também conhecido como CPMF, Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. O comício foi animado por ninguém menos que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com apoio de uma claque de 20 governadores, todos ansiosos por mais alguma verbinha federal, e 18 prestimosos ministros. Apesar desse apoio todo de políticos interessados em aproveitar uma casquinha do tributo, o governo ainda não considera a partida ganha e preferiu deixar a votação da proposta para a próxima semana. Até lá, tentará arrebanhar mais alguns senadores para garantir os 49 votos necessários à sua vitória.

O presidente e seus aliados na defesa da CPMF repetiram a ladainha já recitada muitas vezes: sem a renovação do tributo, o povo será prejudicado, porque faltará dinheiro para os programas sociais - no caso, o “Mais Saúde”, pacote setorial do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Como outros projetos do PAC, também este é um pacote mal-ajambrado e muito mal explicado. A implementação das medidas anunciadas envolverá, até 2011, gastos de R$ 88,6 bilhões. A maior parte desse dinheiro, R$ 64,6 bilhões, está prevista no Plano Plurianual (PPA), enviado ao Congresso em agosto. A parcela adicional, R$ 24 bilhões, dependerá da regulamentação, já em exame no Congresso, da Emenda Constitucional nº 29. Essa emenda, de setembro do ano 2000, estabelece a vinculação de verbas para ações e serviços públicos de saúde, em proporções sujeitas a revisões periódicas.

Parte das ações incluídas no pacote já havia sido proposta ao Congresso. O incentivo à produção nacional de remédios e equipamentos hoje importados e a portabilidade do plano de saúde - mudança de seguradora sem novo prazo de carência - estão nessa categoria. Outras são novas, como a premiação de Estados com melhor desempenho no setor de políticas de saúde. O pacote mistura, portanto, projetos conhecidos e já em tramitação e medidas novas, mas ainda sem detalhamento, como aquela premiação.

Noutras ocasiões, o governo tomou como reféns as famílias pobres assistidas pelos programas de transferência de renda: sem a CPMF, faltará dinheiro para ajudá-las, têm dito o presidente da República e seus ministros. No comício de quarta-feira, no Palácio do Planalto, os ameaçados foram os clientes, na maioria pobres, dos serviços públicos de saúde. Quando se somam as ameaças, fica muito difícil evitar algumas perguntas. Por exemplo: toda a receita da CPMF é mesmo destinada ao financiamento dos chamados programas sociais? Os ministros da Saúde, desde o tempo de Adib Jatene - que, aliás, é o “pai da criança” e participou do comício de quarta-feira -, têm-se queixado de nunca receber as verbas prometidas. Nesses casos, as verbas “desviadas” devem ter ido para outras ações também “sociais”, embora não haja nenhuma evidência que confirme isso. Além do mais, para que tem servido o aumento da arrecadação de outros impostos e contribuições?

Esse aumento, assim como o da própria CPMF, tem servido para financiar tanto os gastos econômica e socialmente úteis quanto desperdícios de toda espécie. O governo simplesmente não pode acomodar-se num orçamento mais enxuto porque nunca fez o mínimo esforço para racionalizar seus gastos e trabalhar com prioridades bem estabelecidas. O comportamento-padrão é reclamar mais dinheiro para alguns objetivos elogiáveis e continuar gastando mal a maior parte do dinheiro disponível.

Ao declarar-se disposto a ser uma “metamorfose ambulante”, o presidente Lula tentou justificar sua mudança de opinião quanto à CPMF, combatida quando militava na oposição. Mudar de idéia pode ser sinal de inteligência e o presidente está sendo honesto quando reconhece que a perspectiva muda quando se passa da oposição para o governo. Mas essa mudança não é boa por si mesma. Sua ascensão ao poder não foi a única mudança relevante nesse caso. Também mudaram a situação do País e a do Tesouro e já não há, como nos anos 90, uma justificativa razoável para um tributo ruim como a CPMF. Sobre esta mudança, a mais importante, o presidente se cala.

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