Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 02, 2007

FERREIRA GULLAR Rumo à estação Lulândia 2


Lula vai aceitar deixar o Planalto sem ter a garantia de que voltará à presidência em 2014?


EXISTIRÁ UM plano, em marcha, para permitir que Lula dispute o terceiro mandato? Ninguém me contou, não consultei nenhuma pitonisa. Cogito da existência desse plano, por dedução, prendendo-me à lógica dos fatos. Pode ser que Lula não consiga realizá-lo, mas há indícios de que o presidente e sua turma arquitetam-no sigilosamente.
E não só eu penso assim; muita gente acredita nisso ou desconfia. Já há bastante tempo, após a reeleição de Lula, quando se confirmou a persistência de sua popularidade, era natural perguntar: Lula vai aceitar deixar o Planalto sem a garantia de que voltará à presidência em 2014?
Difícil de acreditar. Acreditaria nisso com menos dificuldade se o PT tivesse um nome presidenciável capaz de ganhar as eleições em 2010. Só que não tem, e esse dado viabiliza uma possível vitória do PSDB, seja com a candidatura de José Serra, seja com a de Aécio Neves. Se os dois se unirem numa só chapa, então, a derrota de um candidato lulista será inevitável, e Lula sabe disso. Para evitá-lo, só sendo Lula o candidato de Lula.
Mas não é só isso que me faz suspeitar da existência do plano para o terceiro mandato. O quadro político latino-americano também deve ser levado em conta, especialmente a atuação de Hugo Chávez, na Venezuela, que pretende reeleger-se indefinidamente. Lula há de perguntar: se ele pode, por que não eu? Lembro-me de uma declaração de Fernando Henrique Cardoso dizendo que Lula não seguiria os passos de Chávez, porque, ao contrário daquele, não tem espírito autoritário, mas soube agora que FHC já não está tão certo do espírito democrático de Lula. É que as coisas vão se tornando mais claras e as intenções, mais evidentes.
Ninguém duvida de que, para o PT, a reeleição de Lula é fundamental, mesmo porque deixar o poder não está em seus planos. Já imaginou ter que devolver os milhares de cargos e posições estratégicas conquistados nestes dois mandatos? Com que cara os parlamentares petistas iriam se comportar, no Congresso, outra vez no papel de oposição, a votar contra tudo e a propor uma CPI por semana? Não dá para crer. Mas quando alguns petistas começaram a falar no terceiro mandato, Lula os mandou calar. Claro, talvez porque ainda não tenha chegado a hora, pois isso teria que ser conduzido com total cuidado e discrição.
O plano que estaria em marcha ainda não envolveria o PT, embora conte com ele, claro. Lula sempre conta com ele, não tem de se preocupar com isso e, sim, com os possíveis aloprados que, na ânsia de não largar as tetas do poder, metem os pés pelas mãos. Do plano, não tenho dúvida, só participa o pessoal mais próximo a Lula e de estrita confiança.
Lula não é igual a Hugo Chávez, boquirroto e truculento. Não, Lula pode ser falastrão, mas é também manhoso e disfarçado. Afirma coisas contraditórias para confundir a opinião pública, que fica sem saber o que ele de fato pensa. Esperto, calcula o momento exato em que deve dar um passo adiante e, se preciso, recua, para avançar depois. Nem sempre acerta nessa tática de morde e sopra, mas a verdade é que não pode deixar o povão pensar que ele desistiu do novo mandato. Certa vez, declarou que isso estava fora de cogitação, pois "a alternância no poder é essencial para a democracia". Muita gente deve ter pensado: "Lula respeita mesmo as normas constitucionais". No entanto, semanas depois, defendia com veemência o golpe eleitoral que permitirá a Chávez reeleger-se indefinidamente.
As coisas que Lula afirmou naquela ocasião pareciam evidenciar a existência do plano. Para surpresa geral, disse, em defesa de Chávez, que os que hoje o criticam não fizeram restrições à longa permanência no poder de Margaret Thatcher, Felipe González, François Miterrand e Helmut Kohl. Alguém acredita que tais observações surgiram de repente na cabeça de Lula? Naquele momento, ele expressou intencionalmente argumentos que pareciam legitimar a sua própria reeleição. Pensem bem: nunca se viu Lula sair em defesa de alguém, a não ser quando isso reverte em seu próprio benefício. Tampouco ele compraria uma briga com Zapatero e o rei Juan Carlos para defender Chávez.
Tudo isso terá sido feito de caso pensado, já que a deterioração da imagem de Chávez não convém a Lula que, como ele, pretenderia perpetuar-se no poder. Se os governos prolongados de Thatcher, González, Miterrand e Kohl eram legítimos, por que os de Chávez não o seria? A resposta, Lula sabe qual é: aqueles governantes não mudaram as regras do jogo para se reeleger.
São especulações, sem dúvida, mas não implausíveis.

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