Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 02, 2007

DANUZA LEÃO

30 anos depois


Por alguns momentos ela teve a ilusão de que, se o visse, ia se sentir como na época em que se amaram

OUTRO DIA uma amiga me telefonou; estava indo para a Itália, e com a firme intenção de procurar um ex-namorado com quem teve um rápido e intenso caso amoroso, 30 anos atrás. E começamos logo a imaginar como seria esse encontro. Ele se lembraria dela? Afinal, 30 anos depois tudo pode acontecer, inclusive ter esquecido dela. Mas digamos que ele se lembrasse, e aí marcassem para tomar um café. Como seria esse encontro?
É claro que ela tem suas expectativas, o que é mais do que natural. Mulheres, mesmo 30 anos depois, podem estar em boa forma física -e ela estava. Como são vaidosas, pintam os cabelos, dão uma puxadinha na cara, fazem ginástica, ela não precisava ter nenhuma preocupação de ser uma decepção, quando ele a visse. Mas e ele?
Com os homens, em 30 anos tudo pode acontecer. Dependendo de como a vida o tratou, poderia estar com os cabelos brancos, talvez tivesse deixado crescer uma barba, e até com uma barriga, o que seria dramático. E sobre o que conversariam?
Sobre o que aconteceu nas suas vidas durante esse tempo, é claro; quantas vezes cada um deles se casou, quantos filhos tiveram, talvez mostrassem fotos dos netos. Mas do passado comum, dificilmente. Como falar de sentimentos que existiram num tempo remoto e que não existem mais, como lembrar do quanto se amaram, dos planos que chegaram a fazer, e nada aconteceu? Difíceis, esses encontros. Alegres não são; também não chegam a ser tristes e trágicos; não dá para ficar amigo, nem para a paixão voltar.
Continuamos falando, e até a pensar na roupa que ela usaria; de tanto falar, ela acabou descobrindo que o que esperava é que ele dissesse que nunca a esqueceu, que foi a mulher da vida dele: mulher adora um romance. Mas será que é isso mesmo que ela quer? Não, no fundo não é.
Ponderamos que dificilmente isso aconteceria; ia ser uma conversa meio banal, meio torta, no final se despediriam sem alegria nem tristeza, pois ele tinha que voltar para casa, onde a mulher o esperava. E ela acabou percebendo que queria mesmo era que o tempo voltasse, que ela fosse a mulher que foi, ele o homem que foi, e que pudessem sentir um pelo outro o que haviam sentido 30 anos atrás. Por alguns momentos ela teve a ilusão de que, se o visse, ia se sentir como na época em que se amaram; só que o tempo é cruel, e isso não aconteceria.
Quando nossa conversa terminou, ela já havia decidido não procurá-lo; o que passou passou, e muito melhor seria deixar o passado para trás, quieto, porque com o passado não se deve brincar. E pensar no futuro, ou melhor ainda, nem pensar; apenas deixar que ele aconteça.


Um pequeno comentário, ainda que tardio, sobre o episódio entre o rei Juan Carlos e Hugo Chávez.
Chávez é um homem rude, de pouca educação. Já Juan Carlos é um rei de verdade. No entanto, foi do nobre espanhol a frase "Por qué no te callas", que pode ser traduzida por um "cala a boca". Se não gostou do que ouviu, o rei deveria ter se retirado. "Cala a boca" é coisa que se ouve em botequins, dito por pessoas grosseiras discutindo futebol; quem diz essa grosseria normalmente recebe como resposta um "e quem é você para me mandar calar a boca", e daí para partirem para a briga é um passo. Aliás, me surpreende que Chávez tenha ouvido o "por qué no te callas" e ter se calado.
Talvez, por ter sido a Venezuela colônia da Espanha, tenha ficado um respeito do colonizado por seu colonizador e Chávez, tão valente e tão briguento, tenha baixado a crista por se sentir inferior e achado que o rei tinha todo o direito de mandá-lo calar a boca. Só que não tinha, e o rei se mostrou um homem muito mal educado. Já imaginaram se fosse o contrário?

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