Se a isso se dá o nome de "nova" CPMF ou qualquer outro apelido que se queira, é questão só de forma. No conteúdo, o ministro da Fazenda falou o óbvio.
Considerando que governos não produzem dinheiro - a menos em nefastas épocas de rodagem da "maquininha" de emissão de moeda -, que o presidente da República reiterou sua disposição de gastar e que não há outra maneira de recuperar receita a não ser tributar, Guido Mantega não disse nada de excepcional.
Salvo ter falado, sob a ótica da conveniência política do governo, em hora errada. Precipitou-se e, como se configurou um costume em todo o processo de (des) articulação da tramitação da CPMF no Senado, trocou os pés pelas mãos, foi desautorizado publicamente - o que, ademais, está incluído em seu salário de ministro - e desconsiderou a existência de uma Constituição e de limites na atuação governamental, política e juridicamente falando.
Conforme Mantega explicou na entrevista e confirmou em sua nota de pretenso desmentido, "a saúde não sobrevive sem recursos adicionais. É preciso pensar em outra medida no ano que vem para suprir o que faltou. Mas agora não será tributo provisório. Não queremos mais saber de CPMF. Terá que ser um tributo permanente, todo voltado para a saúde, e tem de ser sobre movimentação financeira".
Ou seja, uma nova forma de cobrar imposto sobre movimentações financeiras que não a CPMF cansada e abatida na batalha da semana passada. Como a guerra ainda não terminou, falta aprovar a Desvinculação das Receitas da União em segundo turno, a intenção do Palácio do Planalto era encerrar essa fase sem criar confusão com os senadores que lhe negaram os votos para a CPMF, mas deram-nos para a DRU.
A idéia era a de não passar à oposição a impressão de atropelo. Fazer tudo na base da negociação, por mais que a essência da coisa já esteja decidida: recuperar parte da receita perdida. Quanto a isso, o presidente Luiz Inácio da Silva não fez "enquadramento" algum.
Disse apenas o que lhe cabia dizer para consertar o tropeço político: que não agirá com precipitação - inclusive porque o Congresso está em fim de legislatura e que vai decidir mediante o exame "das contas".
Lula não afirmou que não fará o que Mantega disse que o governo pensa em fazer. Informou apenas que o ministro precisará convencê-lo da necessidade de um novo tributo e pediu tempo para pensar.
Na verdade, tempo para fazer o que não se fez na CPMF: pesar e medir as condições políticas para atingir o mesmo objetivo, desta vez com competência e preferencialmente sem pôr em risco o que já está mais ou menos assegurado, a desvinculação das receitas carimbadas.
Qual foi o erro do ministro? O de achar que basta ser governo para decidir e, então, fazer acontecer. Mesmo ao arrepio das leis. Quando "anunciou" que o novo tributo seria criado por meio de medida provisória, Guido Mantega ignorou o impedimento legal.
Só é possível fazer isso por emenda constitucional, mediante a aprovação de três quintos dos integrantes de cada uma das Casas do Congresso.
Do mesmo jeito desatento, no dia seguinte à derrota no Senado o ministro havia anunciado que o governo "retiraria" o Orçamento do Congresso para fazer alterações, indiferente ao fato de que legalmente na presente conjuntura tal gesto não é permitido.
Em seu raciocínio política e institucionalmente rudimentar, o ministro da Fazenda desconsiderou a existência de um outro Poder no processo de decisão. Pensamento surpreendente para quem havia acabado de perder uma parada ganha, justamente porque ignorou as especificidades e as circunstâncias vigentes naquele Poder.
A favor do ministro, é preciso dizer que ele paga sozinho uma conta sobre a qual não tem responsabilidade exclusiva. Guido Mantega não é uma ilha de independência dentro do governo.
Faz o que lhe mandam, repete o que ouve. Se fala o que não deve, não o faz por indisciplina ou por ousadia. Se excessos comete, são todos frutos de carência de perspectiva e ausência total de noção de conjunto. Características muito comuns em profissionais mais acostumados a executar tarefas atinentes a números do que a juntar A com B a fim de chegar ao C sem menosprezar todas as outras letras do alfabeto.
Mas, justiça de novo se faça a Guido Mantega, não é o único. Aliás, é dos poucos, entre todos os que estiveram à frente dos acontecimentos relativos à CPMF, a não dispor da pretensão, nem mesmo da obrigação, de saber que também na economia é imprescindível levar em conta a política, aqui entendida como a arte de conciliar o contraditório.