Sexta-feira, Mantega declarou aos jornalistas Sonia Racy e Gabriel Manzano, do jornal Estado, que um tributo, desta vez definitivo, sobre movimentação financeira será criado para arrecadar recursos para a Saúde e, assim, substituir a falecida CPMF.
E defendeu que o conteúdo principal de um projeto de Reforma da Constituição, que acabara de ser rejeitado no Senado, voltaria a vigorar com uma simples canetada presidencial, uma medida provisória.
Domingo, o presidente Lula passou o recado de que quer "mais reflexão do que ação". Sugeriu que Mantega "conte até dez" antes de anunciar qualquer coisa e garantiu que não sairá nenhuma medida precipitada. Ficou a impressão de que, no governo, o ministro é tido como alguém dado a reações mercuriais, algo que não se via em Brasília desde os tempos do presidente Itamar Franco.
Mantega tem-se notabilizado pela excessiva leveza com que faz afirmações sobre assuntos de enorme gravidade. Alguns desses temas já foram objeto de análise nesta coluna.
Há dez dias, declarou ao Financial Times, de Londres, que o objetivo primário do fundo soberano a ser criado pelo governo é impedir a valorização do real. Parece não ter passado previamente pela cabeça do ministro que, além de recursos orçamentários, algo assim exigiria a definição de um piso para a cotação do dólar abaixo do qual ficasse caracterizada a valorização do real a ser evitada com intervenções do Tesouro (ou do Banco Central). Mantega parece não ter levado em conta que essas coisas poderiam solapar as bases do sistema de câmbio flutuante que prevalece por aqui.
Ao longo das negociações com a oposição pela aprovação da CPMF no Senado, Mantega semeou terrorismo econômico-financeiro. Disse que, em caso de rejeição da CPMF, o superávit primário viraria pó e que estariam de volta os fatores que provocaram os desarranjos que atolaram o País nos anos 80 e primeira metade dos 90, que a política social estaria ameaçada e que os recursos para a Saúde ficariam definitivamente comprometidos... Depois se viu que a tela recentemente pintada não tem essas cores.
Mantega parece não dar importância ao exercício da política de administração das expectativas pelos que cuidam de políticas de governo, especialmente em um setor tão sensível como o das finanças públicas.
Um ministro de Estado não governa apenas com despachos no Diário Oficial. Cabe-lhe formatar corações e mentes para o que tem de vir para com isso garantir melhor eficácia para a política econômica. Se tivessem sido feitas por um simples diretor do Banco Central, declarações como as de Mantega teriam causado um terremoto.
Se não diz coisa com coisa e se faz declarações que logo em seguida são desautorizadas pelo presidente da República, Mantega não tem apreço pela credibilidade, qualidade sem a qual um governante não pode ter sucesso em sua missão.
Confira
Proibido - Na Venezuela, o dólar está 160% mais caro no câmbio paralelo. Na semana passada, o governo Chávez proibiu a divulgação do câmbio negro por quaisquer meios.
Nem aqui foi assim - Aqui, nos velhos tempos, tinha sacolão e tudo o mais, mas o câmbio negro nunca chegou a alturas parecidas. E era tolerado porque retirava pressão sobre as contas externas.
Não pode ir longe - Corridas similares aconteceram na Argentina. Mas foi por pouco tempo. Movimentos assim prenunciam viradas na economia. Ou no governo.