Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 11, 2007

DORA KRAMER O ócio improdutivo

Novidade não é. O Poder Legislativo no Brasil já faz algum tempo vem abrindo mão de suas prerrogativas e, passo a passo, consolida o papel de órgão auxiliar do Palácio do Planalto. Sem vontade nem iniciativa próprias, ali se faz o que seu mestre (o presidente da República) mandar.

No Senado ainda há bolsões de independência. Sobrevivem menos de sua competência e mais em função da inabilidade do governo em contornar obstáculos. A facilidade que Luiz Inácio da Silva encontra para se movimentar entre simpatizantes é diretamente proporcional à sua dificuldade em lidar com ambientes onde existe o contraditório.

Prova é o suadouro do governo para fazer passar a CPMF entre os senadores, por conta de equívocos cometidos numa negociação que requer prática e, sobretudo, habilidade.

O Planalto achou que a vida estava ganha na base amiga (da onça), partiu açodado para cima da oposição, esqueceu-se de que com isso fazia subir o preço dos aliados e agora está arriscado a pagar uma conta de bilhões se não conseguir aprovar a CPMF nos próximos 10 dias.

Portanto, o fato de a Câmara dos Deputados se comportar não como um colegiado de eleitos com funções delegadas pelo voto popular e sim como um rebanho de ovelhas tocadas ao toque do cajado palaciano, faz da subordinação notícia velha.

O novo é a exacerbação dessa conduta. O inusitado é Câmara encerrar o ano legislativo com um mês de antecedência, paralisando os trabalhos do plenário só para atender a conveniência do Palácio do Planalto.

Como quase nada se faz no Parlamento além de seguir a agenda de medidas provisórias do Executivo, a Câmara não vota as seis MPs que trancam sua pauta porque se alguma delas for votada e começar a tramitar no Senado, fica automaticamente suspensa a votação da CPMF.

E aí temos a seguinte situação, retratada em oportuna reportagem publicada na edição de ontem do Estado: deputados parados ganhando sem receber (R$ 4,4 milhões, considerado o período todo de greve branca), antecipação de um mês nas férias e acréscimo de 30 dias no recesso regulamentar de 45.

Tudo sob o gentil patrocínio do Palácio do Planalto e o compulsório financiamento do público pagante de impostos.

Esse episódio diz muito, aliás, diz quase tudo, a respeito da subordinação voluntária de um Poder a outro e, justiça seja feita ao Executivo, não se pode transferir a ele toda a responsabilidade.

O Planalto, claro, tem sua parcela de culpa. Como integrante institucionalmente mais vistoso da República, um de seus deveres seria o de preservar as instituições. Mas como ali não há interesse em cuidar do todo, pois só há preocupação com a parte que produz fatos, dinheiro e propaganda a serem transformados em votos nas eleições, os males do Legislativo ficam todos por conta dos legisladores e da conta deles são debitados.

Natural seria que tivessem a percepção dessa realidade e aproveitassem as chances de alterá-la. Mas não perdem oportunidade de confirmá-la. Não seria nem o caso de mudar em benefício do cidadão, mas em proveito próprio. Seria esperto que o fizessem.

Não precisariam brigar com o Executivo. Equilíbrio entre Poderes não pressupõe conflito de Poderes, mas preservação de independência. Aí está o Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal, a dar o exemplo de como é possível atuar tendo como referência os seus próprios ditames sem sofrer qualquer prejuízo.

Tudo depende da atuação do conjunto. E aqui vamos expor um raciocínio por diversas vezes repetido: se o Legislativo cumprisse a constitucional e simples missão de rejeitar medidas provisórias fora dos parâmetros de relevância e urgência não haveria essa obstrução da pauta nem o Executivo insistiria no abuso desse uso.

Aqui no Brasil as pessoas gostam muito de saudar o "funcionamento normal" da democracia por qualquer motivo. Democracia que funciona normalmente não precisa ser saudada a todo instante. Simplesmente sua normalidade é incorporada como fato normal.

Se o Legislativo tem medo do Executivo e este trata aquele como anexo administrativo, algo de esquisito acontece nessa democracia. Que pode ser tudo, menos normal, quando um Poder entra em greve para fazer a vontade de outro e relegar à irrelevância a vontade de todos os que o elegeram para trabalhar e se dar ao mínimo respeito.

Nota só

Às ameaças de que os programas sociais terão cortes, os investimentos serão cancelados, a saúde sairá prejudicada, a crise econômica engolirá o Brasil e os repasses aos Estados serão cortados associa-se agora o anúncio do ministro da Justiça de que a segurança pública será comprometida sem o imposto.

De tal quadro seria possível concluir que Lula só governa porque tem o dinheiro da CPMF, não tivessem incluído na lista duas das áreas mais mal avaliadas da administração federal: saúde e segurança. Setores malvistos não só pelas pesquisas. Sobretudo, pelas evidências.

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