Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Dora Kramer - Crise de confiança



O Estado de S. Paulo
20/12/2007

O governo suou a camisa, mas acabou conseguindo os votos necessários para aprovar no Senado, em segundo turno de votação, a liberação do uso das receitas do Orçamento com vinculação constitucional. A rigor, nem teria enfrentado tantas dificuldades se não tivesse nesses cinco anos se notabilizado pela quebra da palavra empenhada.

Por isso, o problema do Palácio do Planalto não era nem a votação de ontem, mas o comportamento que adotará depois de obtida a DRU.

Se honrar os compromissos firmados com a oposição - que desta vez até negociou em nome de senadores aliados, exigindo garantias de não retaliação aos que votaram contra a CPMF -, receberá dos adversários um tratamento civilizado. O que não significa acerto de adesão às propostas governistas, mas disposição de negociar sua aprovação quando necessário.

Agora, se mais uma vez relegar ao esquecimento o combinado, aí a relação será presidida pela intransigência e pela desconfiança.

“O presidente pode escolher começar bem ou começar mal a sua relação com o Senado em 2008”, diz o líder do Democratas, senador Agripino Maia, que empresta fé aos termos das conversas mantidas com o líder do governo, Romero Jucá, e com o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, mas se reserva o direito de manter o pé atrás no tocante à confiabilidade do aval dado pelo presidente Luiz Inácio da Silva.

São conhecidas as exigências. A oposição pede solução via cortes de gastos no lugar de aumento de impostos ou criação de novos tributos; quer o atendimento das promessas feitas a governadores e a senadores quando o governo tinha interesse no apoio deles à CPMF; reclama também critério de isonomia entre governistas e oposicionistas para liberação de recursos das emendas ao Orçamento.

Problema nenhum, disse o governo antes da votação.

Mas, e depois dela, como serão elas? José Agripino reconhece que, se não quiser cumprir nada, o governo pode perfeitamente dar o dito pelo não dito. Mas aí, como demonstrou a derrota da CPMF, não terá como segurar a completa desarticulação de sua própria base e terá aumentadas as chances de recolher outros fracassos.

De menor monta, mas suficiente para fragilizar a posição do presidente dentro do Congresso, pois um ambiente de total desorganização no Senado pode perfeitamente contaminar o cenário de conforto na Câmara até então.

Pode até abalar a posição do ministro das Relações Institucionais, José Múcio. Ele já disse de público, e repetiu nas conversas recentes com a oposição, que a origem de todos os problemas do governo no Parlamento é a quebra sistemática de acordos.

Afirmou também que a “regra número um” das relações com o Congresso deve ser a preservação da confiança. Se José Múcio aplicar de fato esse princípio, é lícito supor que ele não aceitará continuar no cargo se o presidente da República não respaldar a “regra número um”.

Uma vez desautorizado neste aspecto, o ministro não teria razão para permanecer no cargo. A menos que aceitasse cumprir a função como figura decorativa ou então que se prestasse ao papel de bater cabeça com a ala petista do governo enquanto a outra se entrega ao desgoverno. O que, de resto, ocorreu com seus antecessores.

Devagar e sempre

O governo não diz o que fará para compensar a perda da CPMF; não esperava a derrota, não previu uma saída. O presidente apenas repete que não tomará medidas “precipitadas” ou “abruptas”.

Considerando que não haverá solução fora da compensação tributária, trata-se apenas de uma questão de adjetivos: um novo imposto virá de forma calculada e refletida. Mas virá.

Assim o governo mantém a exuberância do caixa e ainda faz tábula rasa do discurso da oposição de defesa do bolso do contribuinte.

Sobrará a vitória política, cujo prazo de validade poderá ser efêmero se a unidade dos oposicionistas tiver a solidez das matérias que se desmancham no ar.

Política da fome

Se, como se diz no governo, a Igreja e d. Luiz Cappio fizeram política com a greve de fome, os políticos baianos também se valeram do episódio.

De um lado, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, endureceu e, para se diferenciar, seu adversário local, o senador César Borges, se movimentou em solidariedade ao bispo.

Há o projeto de transposição do São Francisco em jogo, mas há também o governo na Bahia em 2010.

De quebra, parte da oposição pegou ontem uma carona na presença de artistas e representantes de movimentos sociais no plenário do Senado, associando-se aos apelos para que o governo recuasse da decisão de não ceder à pressão da greve.

Menos por solidariedade à causa do frei e mais pelo potencial de constrangimento que ela poderia trazer ao presidente Lula.


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