Não é difícil conseguir tal projeto. Até porque o próprio governo Lula já viveu experiência de arrochar as contas públicas em 2003 e foi bem-sucedido. Na época, analistas previam um futuro de recessão econômica e descontrole da inflação. Erraram. É verdade que as duas situações - 2003 e agora - são inteiramente diferentes, mas com enorme vantagem para este momento. Até porque Lula não precisa mais convencer ninguém de seu compromisso com a estabilidade e o controle da inflação. Trata-se agora de provar que está disposto a ordenar as contas públicas, acabar com a imagem de um Estado perdulário e insaciável, que gasta muito, mal e errado, e direcionar o orçamento para áreas essenciais e carentes de dinheiro público.
A dosagem do remédio em 2003 foi dura (todos os Ministérios sofreram fortes contingenciamento de gastos), porque se tratava de afastar o pânico Lula e convencer o mercado de que o novo governo não faria aventuras. Agora é muito diferente: a economia está em expansão, o Produto Interno Bruto (PIB) deve fechar o ano com crescimento acima de 5%, a arrecadação tributária não pára de crescer, a popularidade do presidente está em alta. Ou seja, ambiente altamente propício e favorável para fazer as reformas tributária e da Previdência - as duas mais diretamente focadas no equilíbrio fiscal e no desenvolvimento do País.
Um entendimento prévio entre Lula e o PSDB na construção das duas propostas de reformas garantiria não só aprovação no Congresso, como também rapidez na tramitação (será que eles se entendem?). Em 2008 haverá eleições municipais. Mas pelo menos uma vez os políticos poderiam deixar de lado a velha ladainha de que essas duas reformas, sobretudo a da Previdência, não podem ser discutidas e votadas em ano eleitoral. Pelo menos uma vez os interesses do País precisam se sobrepor aos dos políticos. A proposta de reforma tributária está adiantada, precisando de um ou outro ajuste, como incorporar a CPMF, não mais com a alíquota de 0,38%, mas com uma simbólica, de 0,08%, para aproveitar o mecanismo de fiscalização eficaz de sonegação nela embutido. De tão debatida, a reforma previdenciária pode ter um projeto pronto rápido, a partir de propostas de especialistas no assunto, como os economistas Fábio Giambiagi, Hélio Zylberstajn e José Cechin.
Com o fim da CPMF o governo terá de preparar uma nova proposta de orçamento. O ministro Guido Mantega anunciou o que não pode ser cortado e que os cortes atingirão os Três Poderes, mas não revelou onde vai passar a tesoura. Suspender contratações de pessoal parece uma providência óbvia. Até porque, em cinco anos, o governo contratou mais de 300 mil funcionários e só no mês de outubro teria chegado a 70 mil! Trata-se de uma despesa fixa, que deve ser evitada porque não há como removê-la. Há também o recurso de adotar contingenciamento de gastos para Ministérios - são 36, porque Lula criou mais 9! As emendas parlamentares, que somam R$ 19 bilhões, podem também ser varridas. O contribuinte agradece porque emendas sempre servem para o velho toma-lá-dá-cá e para os famélicos acordos eleitorais com dinheiro público.
O governo se comprometeu em manter o superávit primário e não prejudicar o crescimento econômico. Afinal, a força da economia garante maior arrecadação tributária. E, como o surto recente passa muito mais pela economia privada e pelo consumo das famílias, cortes de gastos do governo pouco afetarão. Mas é preciso preservar recursos para projetos de infra-estrutura, que, se não realizados, podem prejudicar a expansão econômica. Por fim, resguardar os gastos com educação e o Bolsa-Família e aumentar as verbas para a saúde para tirar o SUS da situação dramática da crise em que se encontra.
Enfim, um projeto de reformas combinado com cortes eficazes de gastos públicos pode, sim, conduzir ao sonhado equilíbrio fiscal. Mas a negociação política com o Congresso e a oposição é importante ingrediente da equação. E o episódio da CPMF provou que ela não pode ficar nas mãos de Guido Mantega.
*Suely Caldas é jornalista e professora da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br