Na tarde de domingo, no entanto, o clima político mudou. Morales elogiou a ordem em que transcorreram as manifestações populares nos Departamentos autonomistas e os governadores reiteraram que não querem mais do que autonomia para governar, não estando em seus planos a separação do Estado boliviano. "Na unidade nacional não se toca. Ela não está em discussão. Somos autonomistas, não independentistas", afirmou o governador de Tarija, Mario Cossio.
E Cossio é um dos líderes autonomistas mais radicais. Enquanto os governadores dos outros Departamentos começam a coletar assinaturas para a convocação dos referendos a respeito do estatuto de autonomia, o de Tarija dispensa essas formalidades. Segundo ele, o Departamento já se autogoverna desde o momento em que o Comitê Cívico aprovou o estatuto e a multidão, reunida em praça pública, o aclamou.
O fato é que a intransigência de Evo Morales provocou uma reação inédita dos governadores e das populações dos seis Departamentos. Na elaboração da nova Constituição, Morales não respeitou integralmente o resultado do referendo de 2006, sobre a autonomia regional. Espertamente, introduziu a figura da autonomia no texto, mas em igualdade de condições com os municípios e os territórios indígenas - o que era inaceitável para os governadores. Com isso, os Departamentos de Cochabamba e Chuquisaca, que não eram autonomistas, juntaram-se às unidades da chamada Meia Lua. Segundo as últimas pesquisas de opinião, os eleitores de Chuquisaca aprovariam a autonomia por 67% contra 18% dos votos, e os de Cochabamba, por 48% contra 41%.
Tudo indica que a Constituição de Evo Morales terá o mesmo destino da de seu mentor, o caudilho Hugo Chávez. A diferença entre os dois processos é que na Bolívia, ao contrário do que ocorreu na Venezuela - onde a reação ao totalitarismo bolivariano partiu do movimento estudantil espontâneo e apartidário -, existe uma oposição articulada, com base nos governos de seis dos nove Departamentos. Além disso, Morales não conseguiu organizar milícias e as Forças Armadas, justamente por estarem divididas, resolveram não entrar no jogo político.
Mas as instituições nacionais estão em franco colapso. A Constituição foi aprovada num processo fraudado. A autonomia dos Departamentos foi proclamada pela vontade das populações locais, mas ao arrepio da lei.
Foi nesse país em ebulição que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou, no domingo, declarando que se identifica com Evo Morales "por sua luta em favor da inclusão social e econômica". Não foi a primeira vez em que, diante de uma crise interna provocada por Morales, o presidente brasileiro tomou partido, sob o pretexto de que ao Brasil interessa a estabilidade da Bolívia. Desta vez, fez a ressalva de que não pretendia se intrometer (já se intrometendo) em assuntos internos daquele país.
De quebra, o presidente Lula anunciou que a Petrobrás fará investimentos no valor de US$ 750 milhões para o aumento da produção dos campos de gás que opera como contratada da Yacimientos Petroliferos Fiscales de Bolivia, depois de ter sido desapropriada. Garante que o investimento é seguro e está garantido pelas leis bolivianas. Resta saber qual a lei que, de fato, está em vigor naquele país.