Mas seria injusto tratar Berzoini como o único dos petistas estrelados a querer cobrir o retrovisor com um tecido opaco. O recém-concluído Processo de Eleição Direta (PED) da agremiação apenas confirmou que a maioria dos companheiros, a começar do presidente Lula, eleitor da chapa vitoriosa, não está nem aí para o que devem considerar filigranas éticas. O passamento, sem choro nem vela, da idéia da "refundação" do partido, lançado pelo ministro Tarso Genro, ainda sob o impacto do mensalão, é uma história que se repete - com ar antes de farsa do que de tragédia. Não fosse assim, Berzoini não teria sido eleito já da primeira vez. Não fosse assim, o candidato do atual titular da Justiça nessa última eleição, o deputado paulista José Eduardo Cardozo - que pôs a questão ética no topo de suas prioridades -, não teria tido o desempenho pífio que se viu na rodada inicial da disputa. Não fosse assim, boa parte dos que votaram em Cardozo não teria aderido a Berzoini no segundo turno, apenas por entender que o candidato remanescente, o também deputado martista Jilmar Tatto, era dos males o pior, como Tarso Genro só faltou afirmar.
Por isso, sabia o que dizia o vencedor, antes ainda da peleja: "Em 2005, eu era o único que defendia o governo, em um momento onde (sic) duvidavam da capacidade de Lula de sobreviver à crise. Hoje, as abordagens são diferentes, mas todos fecham com o mesmo projeto." Os que não fecham, as urnas petistas deixaram patente, não apitam. Daí a relativa irrelevância das exegeses que se façam da reeleição de Berzoini e do crescimento da facção que gira em torno da ex-prefeita Marta Suplicy. Mais importante é o enraizamento profundo de um projeto que levou às últimas conseqüências o pragmatismo político-eleitoral - o PT de resultados - ao qual se converteram os antigos críticos radicais do sistema. Costumava-se falar das afinidades entre petistas e tucanos. Mas, estruturalmente, o partido da estrela se parece, mais do que com qualquer outro, com o PMDB. Não apenas na prontidão para fazer qualquer negócio, postos a escanteio os seus setores comparáveis aos autênticos do velho MDB, mas também no enfeudamento da legenda, essa federação de facções que respondem a uma ou outra liderança.
Esse traço se acentuou com o desaparecimento do Campo Majoritário - o centrão criado por José Dirceu para marginalizar os puros e duros da ultra-esquerda e levar o PT à mesa do jogo político convencional. A facção que o sucedeu, Construindo um Novo Brasil, de Berzoini, embora em posição dominante, não tem o mesmo poder. Mas, não havendo hipótese de o carro ficar desgovernado por um insólito surto de distração de seus dirigentes com o passado que os condena, o único solavanco previsível na trajetória petista dos próximos anos é o mesmo que sacode os demais partidos - o choque de ambições eleitorais.
De pouca valia serão, portanto, as advertências dos minoritários que exigem a retirada dos panos sobre o retrovisor. Eles argumentam que, à falta de um acerto de contas com os ilícitos do mensalão, o PT continuará comprometido. Como se isso tirasse o sono da nação petista.