Em posição de desvantagem desde o início, o governo Lula escolheu a tática de não ceder e endureceu nas negociações com o PSDB para prorrogar a CPMF. Agora colhe os efeitos do gesto insano: na terça-feira o Senado pode aprovar o desaparecimento desse imposto e cortar de uma só vez R$ 40 bilhões do Orçamento da União. E quais são as conseqüências disso? O governo diz não ter um plano B - dado seu estilo improvisado de governar, deve ser verdade -, mas tem a ajudá-lo o crescimento da arrecadação de impostos e precisa refazer todo o orçamento, eliminar gastos supérfluos (que não são poucos) e preservar o indispensável. Num orçamento em que cabem despesas com viagens sem controle, gastos exagerados com cartões corporativos da Presidência, multiplicação de pessoal contratado com ou sem concurso público, etc., etc., etc., não é difícil descobrir itens para cortar. Difícil é a disposição de fazê-lo.
De qualquer forma, eliminar de uma só vez R$ 40 bilhões da receita tributária pode trazer conseqüências ruins para a economia, porque amplifica a percepção de piora da situação fiscal, exatamente porque os sinais emitidos pelo presidente Lula não são de cortes, mas de crescimento das despesas públicas. A população que agüente sustentá-las. Lula e o ministro Guido Mantega, escalado para negociar com o PSDB, conhecem muito bem a fragilidade do governo e a força da oposição no Senado. Por que razão endureceram na negociação? Afinal, reduzir o valor da receita é melhor do que correr o risco de vê-la desaparecer, virar zero. E desta vez o velho método do toma-lá-dá-cá, de comprar votos de senadores, parece não ter dado certo. Pelo menos até agora.
O tempo não pára, o ano está acabando e a CPMF precisa ser resolvida nesta terça-feira. É urgente costurar um entendimento com os tucanos até lá. Certamente não será com redutor de algumas poucas (e indefinidas) despesas de custeio, que Mantega propôs ao PDT. Muito menos com ódio, arrogância e bravata do presidente Lula, ao estilo Hugo Chávez, chamando senadores de “sonegadores” e ameaçando denunciá-los para a população como responsáveis por “deixar milhões de pessoas sem o benefício do programa (Bolsa-Família)”. Os pobres nem sequer sabem o que é CPMF. Mas Lula sabe: se reduzir o valor ou eliminar o benefício, os pobres responsabilizarão a ele e a seu governo. Afinal, o orçamento permite manejar verbas. Cortar o dispensável e manter o indispensável são decisões de gestão do governo. Portanto Lula blefa. Ele até pode reduzir dinheiro para a saúde, mas não vai prejudicar o programa carro-chefe do seu êxito eleitoral.
Os senadores tucanos que há dias sentaram à mesa com o ministro Mantega saíram do Ministério da Fazenda com as mãos abanando. Levaram proposta de reduzir a arrecadação da CPMF pela metade, R$ 20 bilhões. Levaram um “não” e uma contraproposta que rejeitaram na hora, tão distante era da idéia de desonerar o imposto, de forma gradual que fosse. Argumentos contra a CPMF não faltam: é um imposto ruim, inflacionário, encarece a produção e os pobres pagam porque ele está embutido nos preços dos produtos. De positivo mesmo só o mecanismo de flagrar quem sonega imposto. Mas para isso basta uma alíquota simbólica.
O governo perde tempo. Se conduzisse a negociação com habilidade, tolerância e disposição a um entendimento, a proposta do PSDB teria sido tratada não com desprezo, mas como início de uma conversa dirigida a um acordo. Foi aí que Mantega falhou. E quem está em posição desfavorável tem o dobro de razões para saber como e quando recuar. Afinal, em negociação séria não cabem ódio, desprezo, arrogância e xingamentos contra o adversário, como os desferidos por Lula nos últimos dias. Até o equilibrado ministro da Saúde, José Gomes Temporão, decidiu radicalizar o blefe, depois de levar um puxão de orelhas de Lula. Se o Senado rejeitar a CPMF, afirmou, no dia seguinte os hospitais públicos amanhecerão sem medicamentos e o Sistema Único de Saúde (SUS) não terá médicos para atender às consultas. Só não disse que hoje já é assim, mesmo com crescimento anual da arrecadação da CPMF.
O tempo é curto e o governo tem até terça-feira para se entender com o PSDB. Que Mantega faça as contas, calcule até onde pode ir e formule uma proposta aceitável. E presidente Lula, por favor, não fica bem bradar que o governo vai é gastar mais. Até quando o cidadão comum vai continuar destinando 35% do que ganha com seu trabalho para o governo gastar sem controle?
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br