Paulo Renato Souza
Tenho a convicção de que com a CPMF se arrecada um montante de recursos que hoje é desnecessário para o equilíbrio das contas públicas e para garantir o cumprimento das funções que o Estado brasileiro assumiu na História recente do País. Nem sempre foi assim. Sua discussão não pode ser extraída do contexto histórico em que foi instituída. O governo FHC promoveu a estabilização da economia, acabando com uma inflação galopante e que trazia embutido o imposto inflacionário, o mais injusto de todos. Corríamos o risco de deixar o Estado sem as receitas imprescindíveis para suas necessidades mais imediatas.
Ao acabar com o imposto inflacionário, o governo da época se viu na contingência de aumentar a carga tributária, de buscar novas fontes de financiamento para o setor público, criando inclusive impostos para finalidades específicas - como foi o caso da CPMF para saúde. Ao mesmo tempo buscamos o equilíbrio orçamentário em meio a crises internacionais sucessivas. Elas impediram o crescimento da economia, dificultaram nossas exportações e fatos que limitaram o raio de ação do governo.
O presidente Lula teve a fortuna de viver outra época, em que já tínhamos as contas públicas organizadas e uma economia estabilizada; viver a época de um grande esplendor no cenário internacional, que trouxe bonança para as exportações brasileiras, especialmente a partir das empresas privatizadas e do agronegócio. As novas circunstâncias econômicas permitiram um crescimento econômico que foi modesto, mas positivo. Ademais, a reestruturação do aparelho arrecadador realizada no governo anterior levou, nos últimos cinco anos, a um período de grande abundância de recursos públicos.
Entre 2002 e 2006, o País manteve essencialmente a mesma estrutura tributária. Não obstante, a arrecadação federal, excluída a Previdência Social, passou de R$ 340 bilhões para R$ 404 bilhões, a preços constantes de 2006. Em outras palavras, no primeiro governo do presidente Lula a arrecadação federal cresceu R$ 64 bilhões, o que equivale a duas vezes a CPMF arrecadada em 2006.
Nesse período não foram criados novos e grandes itens de despesa, como tampouco foi levado adiante qualquer grande programa de investimentos públicos ou foi necessário dedicar recursos vultosos a programas de reestruturação setorial ou estabilização econômica. O Estado brasileiro, em suas dimensões e funções, é hoje essencialmente o mesmo que existia em 2002. Se vivíamos com R$ 64 bilhões a menos que hoje, qual é a essencialidade de metade disso?
Visto que o investimento público não cresceu, aonde foi parar essa montanha de dinheiro? Principalmente em maiores gastos de custeio do governo federal, em especial na rubrica de pessoal, e em juros da dívida pública. O presidente Lula afirmou que esses maiores gastos de pessoal seriam concentrados nas áreas de educação e saúde, em decorrência da maior contratação de professores e médicos. Infelizmente, S. Exa. não consultou os números para fazer essa afirmação. As despesas com pessoal cresceram a uma taxa de 5% ao ano entre 2002 e 2007 - muito superior ao crescimento do PIB. Entretanto, na educação essa taxa ficou em apenas 1,5% ao ano e na saúde, em 3,1%. Esses dois setores, portanto, puxaram para baixo a média de crescimento das despesas com pessoal. Os setores que mais cresceram foram os de administração, segurança pública e Justiça.
Tampouco se pode afirmar que o governo tenha usado essa abundância de recursos para promover um ajuste fiscal mais severo. Ao contrário, a análise dos resultados fiscais do período 2002-2006 mostra que o governo central foi o agente que menos contribuiu para o ajuste das contas públicas. A melhora no superávit primário foi em razão dos maiores esforços dos Estados e das estatais, que foram responsáveis por mais de 80% do aumento do superávit em relação ao PIB.
O enorme crescimento da arrecadação nos últimos anos mostra que hoje é possível promover a redução na carga tributária brasileira. O governo perdeu a ocasião de promover, nesse período de abundância, o debate e a deliberação sobre esse tema. Desperdiçou sua grande oportunidade no início do segundo mandato, depois de ter sido reeleito com 60% dos votos e ter vivido um período de vacas muito gordas no cenário internacional. Agora, a crise econômica lá fora se avizinha. Aqui, no próximo ano teremos eleições municipais e o ano seguinte será o da pré-eleição nacional. Infelizmente, a hora passou.