A inflação mais alta em novembro do que a esperada, conjugada com os sinais de que o Banco Central não voltará tão cedo a baixar os juros, trouxe de volta o debate sobre crescimento potencial, uma batalha sem-fim entre economistas brasileiros.
Para os ortodoxos, há um limite para o crescimento econômico. Ele é dado pela capacidade do setor produtivo em dar conta do consumo. Passou desse limite, o consumo não atendido pela produção aciona a velha lei da oferta e da procura, os preços saltam e lançam areia na engrenagem.
Com alguma variação, o ponto de vista aceito é o de que, no Brasil, um crescimento econômico da ordem de 5% ao ano só pode ser obtido sem inflação se o investimento for de 22% ou 23% do PIB. Hoje, mal chega aos 19% do PIB. Apenas para comparar, na China, é da ordem de 44% do PIB. Embora ganhe relativamente pouco, o chinês investe nada menos que 44% do salário.
As divergências começam a partir desse ponto. Para o Banco Central, quando o consumo cresce e não é atendido satisfatoriamente pela produção interna e pelas importações, como pode estar acontecendo agora, a inflação dispara. Nesse momento, é preciso acionar a alta dos juros, que desaquecerá o consumo e trará a inflação de volta aos trilhos.
Os economistas heterodoxos discordam. Apoiados na velha curva de Alban Phillips, o economista neozelandês que nos anos 50 estudou a relação entre desemprego e preços, entendem que é inevitável um custo em inflação sempre que se quer garantir mais crescimento e aumento do emprego. O próprio investimento eleva o consumo sem proporcionar aumento correspondente da oferta simultânea de mercadorias e serviços. Basta conferir o que acontece na construção de uma hidrelétrica. Ao longo dos anos de obras, produz uma fartura de dispêndios com projetistas, engenheiros, compra de materiais, turbinas, etc. Nesse período não há aumento da produção. O primeiro quilowatt/hora só será gerado cinco ou seis anos depois de iniciadas as obras, quando começarem as operações da hidrelétrica.
O ex-ministro Delfim Netto é um crítico declarado das aplicações práticas do conceito de crescimento potencial.
Para ele, é o consumo não inteiramente satisfeito que vai empurrar o empreendedor a aumentar a capacidade de produção na medida em que a demanda não atendida garantirá retorno futuro aos investimentos.
Os ortodoxos se baseiam em estudos mais recentes que levam à conclusão de que não há crescimento sustentável num ambiente contaminado por inflação. Uma inflaçãozinha além da conta tende a tomar corpo e, quando isso acontece, os investimentos param porque os empreendedores entendem que o retorno corre riscos.
O Banco Central pensa como os ortodoxos. Ele é obrigado por lei a manter a inflação dentro da meta. Se os preços ameaçam disparar, prepara a puxada dos juros sempre que o consumo atinge o limite do crescimento potencial.
Em termos práticos, se o consumo ultrapassar a capacidade de oferta de bens e serviços, o Banco Central aciona o mecanismo dos juros para coibir a inflação. Como ninguém gosta desse custo, o debate sobre o tema tende a se acirrar. Mas a questão não é teórica. É a política que vem com ela.