Mauro Chaves
A montanha pariu um rato - que nem chegou a ser um mouse, por falta de interatividade. Se a intenção foi lançar a ministra como opção sucessória presidencial, o que mais evidenciado ficou foi seu notório anticarisma (analógico ou digital). No mais, toda a encenação montada para a inauguração da “revolução” da TV digital, na qual falhou até o velho teleprompter - o que deixou o presidente pendurado numa frase, tentando salvar-se com um improviso desconexo precedido da frase-coringa “estou convencido de que” -, serviu para demonstrar, ao vivo, em cores e alta definição, que esse é o governo da valorização dos impactos sem conteúdo, do estardalhaço promocional montado sobre as evoluções de rotina, da substituição do conhecimento real pela aparência de “modernização”.
A Alta Definição da TV digital é, realmente, interessante e divertida, como foram os filmes em três dimensões (3D) dos anos 50 ou a holografia, descoberta por Denis Gabor, nos anos 70 - que se esperava revolucionar completamente a comunicação, mas acabou servindo apenas para enfeitar logotipos nos cartões de crédito. Quando muito, essa High Definition se equipara, em termos de imagem, ao que a High Fidelity ou o estereofônico representaram em termos de áudio. Nada tem que ver com a importância do advento da própria televisão - nem mesmo com a chegada das cores à TV -, muito menos com a internet, que já propicia muitas das maravilhas anunciadas da TV digital. É verdade que a D-TV valorizará muito o trabalho dos dermatologistas, cirurgiões plásticos e maquiadores - assim como satisfará os que adoram descobrir as ruguinhas, os pés-de-galinha e pelinhos sobrantes no rosto de artistas, apresentadores e entrevistados da TV. Mas será que isso valerá subsídios de mais de R$ 1 bilhão do BNDES?
Considere-se agora: neste país, com um dos mais baixos índices de educação do mundo, em que, comparado a outros países (não só desenvolvidos), nosso nível de entendimento de leitura e de raciocínio matemático é, realmente, vergonhoso e no qual, “coincidentemente”, a população de vidiotas talvez seja a maior do planeta, que grande vantagem haverá em nossos jovens ficarem vendo televisão continuamente, em seus celulares, nas ruas, nas salas de aula, nos transportes coletivos e em todos os lugares - como disse, deslumbrado, o presidente? Isso não diminuirá até o hábito (cada vez mais raro, mas que ainda existe) de as famílias assistirem a novelas e outros programas de TV reunidas na sala? E quando vier a tal “interatividade”, que conteúdos haverá para trocar, por parte de analfabetos funcionais que julgam “saber” algo - quando o máximo que sabem é manipular os aparelhinhos? Então, não seria muito melhor que o R$ 1 bilhão de recursos públicos fosse aplicado pelo BNDES em outros tipos de Alta Definição?
O novo sistema de Alta Definição e interatividade de televisão só estará disponível para toda a população do País daqui a seis anos (em 2013) e só será o padrão, em substituição ao sistema analógico, daqui a nove anos (em 2016), de acordo com o Decreto 5.280, de 29 de junho de 2006. Mas a mudança foi apresentada tanto pelo presidente da República quanto pelos dois ministros como uma “revolução econômica, social e cultural” que se inicia desde já. Os ministros, aliás, procuraram demonstrar seus “heroísmos tecnológicos”, os dois anos de “sacrifícios” a que tiveram que se submeter, bravamente, para que o País optasse pelo melhor sistema (o japonês) de TV digital do mundo!
Ninguém, em sã consciência, julgará que o problema do Brasil é a falta de nitidez (ou de “definição”) das imagens transmitidas pela televisão! Talvez até algumas coisas “nítidas demais” - no campo da violência, da banalização do sexo, da precariedade cultural e do baixo nível de linguagem - é que sejam o problema. Mas isso só se modificará com investimentos em conteúdo, com estímulos à criatividade e à produtividade cultural (sem censura, obviamente), e não apenas com aperfeiçoamentos técnicos, relativos à transmissão de sinais. Transformar o meio em conteúdo da mensagem, se já foi questão filosófica inserida em debates sobre teorias da comunicação, hoje não passa de pobreza mental dos que pensam que o instrumento dispensa a idéia, a máquina substitui a inteligência, o programa ocupa o lugar da sensibilidade humana.
Sim, a Alta Definição que faz falta à sociedade brasileira é de outro tipo. É a do entendimento de leitura e a do raciocínio matemático da juventude; é a da ética na administração pública, que exigiria o investimento (quem sabe de R$ 1 bilhão, do BNDES) em sistemas de combate à corrupção, de afastamento de bandidos da máquina governamental, de fechamento de válvulas de escape e desperdício de recursos públicos na compra de votos parlamentares e indecências do gênero; é a Alta Definição de um sistema tributário com base na racionalidade e no respeito à atividade produtiva - e não em contribuições chamadas de “provisórias”, quando não passam de tungas permanentes (com Alta Definição Extorsiva) que tiram nacos de toda a atividade econômica dos escorchados contribuintes.
É a falta de uma Alta Definição na política educacional brasileira que tem levado a um rebaixamento geral do grau de conhecimento especializado, de aperfeiçoamento tecnológico, de produção de pesquisas, de competência profissional e de cultura geral dos jovens deste país. E isso também gera uma juventude de alienados políticos, pois, se comparados aos jovens venezuelanos, que lá salvaram a democracia, nossos ex-caras-pintadas hoje parecem carneirinhos que pastam silenciosos e indiferentes às bandalheiras públicas.