Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 01, 2007

Tragédia alardeada

Mais do que anunciada, foi alardeada previamente a tragédia ocorrida no Estádio Fonte Nova, em Salvador, quando a parte da arquibancada cedeu e torcedores despencaram de 20 metros de altura - o que deixou o saldo de 7 mortos e 85 feridos. O que mais impressiona em demonstrações brutais de desrespeito à vida humana, como em acidentes dessa espécie, não é o despreparo dos funcionários encarregados da manutenção dos equipamentos públicos nem é a falta de previsibilidade de riscos. O mais chocante é o absoluto descaso daqueles que tinham condições de poupar vidas humanas - por terem sido informados do grande risco da tragédia iminente - e nada fizeram. Neste caso específico, a responsabilidade maior pelas vidas perdidas recai sobre a Justiça baiana que, inexplicavelmente, não atendera ao pedido de interdição do estádio, feito pelo Ministério Público Estadual em janeiro de 2006.

A promotora Joseane Suzart Lopes da Silva, titular da 5ª Promotoria do Consumidor de Salvador, desde janeiro do ano passado move ação civil pública pedindo a interdição do estádio, em razão de suas condições precárias e extremamente arriscadas de funcionamento, como atestavam relatórios do Corpo de Bombeiros e da Vigilância Sanitária. Até agora essa ação não foi apreciada pela Justiça. Acresce que no início deste mês um relatório apresentado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva concluiu que o estádio baiano é o pior de todos os 27 avaliados em todo o País, sendo suas estruturas com validade vencida e os riscos de desabamento os aspectos mais graves a demandar pronta interferência dos poderes públicos.

A mesma promotora também pedira - e fora atendida pelo juiz da 1ª Vara - a interdição de outro estádio da capital baiana, o Barradão. Aí houve sensibilidade da Justiça em impedir, com urgência, a ocorrência de prováveis acidentes fatais. Bom é reter que em situações semelhantes de grande risco de perda irreparável - e não há perda mais irreparável que a de vidas humanas - o pronunciamento judicial costuma se dar de forma urgente e superar, num ato rápido, a crônica morosidade dos processos em curso na Justiça. É o que se traduz nas liminares concedidas em mandados de segurança e habeas-corpus. Agora, se direitos fundamentais das pessoas são assegurados pela tutela jurisdicional do Estado, como se explica que o direito à vida dos torcedores, que comparecem a um campo de futebol para assistir a um jogo, seja inteiramente desprezado, por culpa dos que não sabem exercer suas responsabilidades públicas?

Não deixa de ser mais uma demonstração de insensibilidade a grande preocupação, que tem vindo à tona, quanto à possibilidade de a tragédia do Fonte Nova "atrapalhar" o empenho do Brasil em passar para o mundo uma imagem de plena segurança, enquanto anfitrião da Copa de 2014! Ora, essa é uma preocupação típica da superficialidade de valores expressa na velha frase "isso é para inglês ver" - que no contexto da Copa tem até significado literal... A dor e a vergonha que trazem uma tragédia como essa - prevista e irresponsavelmente não evitada - chocam e revoltam por si, não só pela péssima imagem do País que refletem no exterior. E, se a idéia do governo baiano, agora, parece ser a rápida demolição do estádio, para que rapidamente se construa um novo - e, quem sabe, rapidamente possa se esquecer a tragédia, para que fique bem longe das entusiasmadas expectativas em torno da Copa do Mundo Brasil 2014 -, não há como evitar o peso da responsabilidades por aquelas 7 vidas estupidamente destruídas.

A mesma entidade que denunciou, em vão, o Fonte Nova como o pior estádio brasileiro, afirma que 80% dos estádios do País necessitam de reformas estruturais. Que a tragédia de Salvador sirva, pelo menos, como grave advertência aos responsáveis pelos demais estádios brasileiros, independentemente da Copa 2014. Agora, se a preocupação maior for mesmo a imagem que terá o País na Copa, que desde já se atente para o fiasco que já significa o fato de apenas 4 estádios brasileiros - Maracanã, Morumbi, Engenhão (Rio) e Arena da Baixada (Curitiba) -, entre 27, não terem sido reprovados. É pouco para a grande pretensão. Mas, pelo tempo que falta, ainda dá para nos livrarmos do vexame.

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