Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 09, 2007

RUBENS RICUPERO Mão de gato


Nos últimos anos, inverteu-se a equação: agora, mais de 73% do aumento das emissões provêm dos emergentes

SE NÃO mudar de atitude no aquecimento global, o Brasil vai ser a mão de gato para que a China tire suas castanhas do fogo da pressão internacional.
Os chineses devastam setores inteiros de nossa indústria, ameaçam-nos até no mercado de aço, devido ao predatório desenvolvimento que praticam. Representam com a Índia quatro quintos do aumento previsto no consumo de carvão.
De 2000 para cá, a China explica por que o dióxido de carbono aumentou quatro vezes mais que nos anos 90 (2,9% anuais contra 0,7%), de acordo com estudo de fins de outubro da National Academy of Science dos EUA!
Diante disso, como pode o Brasil sustentar que a isenção de metas de redução de emissões deve continuar a se aplicar aos países em desenvolvimento em bloco, sem nenhuma distinção, favorecendo a China em igualdade de condições com o Haiti? De 1750 até hoje, os industrializados provocaram 70% do acúmulo de gases estufa na atmosfera. Daí decorre o princípio da "responsabilidade comum, mas diferenciada", isto é, recaem nos ricos ônus maiores.
Nos últimos anos, inverteu-se a equação: agora, mais de 73% do aumento das emissões provêm dos emergentes. Tem razão, assim, a ministra Marina Silva quando afirma: "Responsabilidade diferenciada não quer dizer nenhuma responsabilidade".
Qual é, porém, a responsabilidade brasileira se não aceitamos nenhuma meta fiscalizável nem mesmo nas queimadas, das quais somos o vilão-mor? Se quiser voltar a ser facilitador de consenso, como na Rio 92 e em Kyoto, o Brasil deveria se orientar pelos seguintes princípios:
1º) sua posição tem de ser "diferenciada" tanto em relação aos ricos, sobretudo os EUA, maiores culpados, como aos emergentes como a China e a Índia, que poluem com o carvão e agravam cada dia mais o problema. Em vez de optar pelo bloco dos "sujos" em energia, o país deve ser mediador de acordo-ponte entre os dois lados;
2º) temos de reconhecer responsabilidade pelas queimadas, inclusive na colheita da cana, comprometendo-nos com metas de redução;
3º) é tempo de abandonar a oposição solitária a todos os países detentores de florestas nativas que desejam incluí-las em algum mecanismo de mercado, com vistas a facilitar o pagamento de compensações internacionais pelos serviços ambientais prestados pelas florestas;
4º) o Brasil deve praticar seu discurso, evitando isolar-se, como no passado, dos vizinhos mais próximos e inspirar-se na política de consultas públicas à sociedade civil praticadas pela Argentina.
Criticada pela comunidade científica e ambientalista nacional e internacional, a posição brasileira é hoje um dos entraves à adoção de combate efetivo e urgente à maior ameaça ao planeta.
Nossa política não evolui devido à "resistência... (do) espírito pouco inovador de antigos e venerandos funcionários", diríamos parafraseando o barão do Rio Branco a respeito da oposição do visconde de Cabo Frio à retificação dos limites com o Uruguai em 1909.
Os funcionários não serão agora tão antigos, apesar de não serem menos venerandos. Com a perspicácia que não lhe falta, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, saberá retificá-los, adotando política proativa e responsável, digna do povo brasileiro. Nenhuma outra se ajustaria tão bem aos interesses do país e do mundo, dando incomparável prestígio à justa candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU.

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