Para entender
a politicolíngua
Termos mais em evidência do idioma falado
no reino dos renans e seu significado
Acordão s.m. – Aumentativo de acordo. Usado na semana passada para caracterizar o movimento que levou à absolvição no Senado, por 48 votos contra 29 e três abstenções, do senador Renan Calheiros, no processo em que era acusado de quebra de decoro por ser proprietário secreto de empresas de comunicação. Os aumentativos são muito apreciados no Brasil, quer quando se trata de estádios de futebol (Mineirão, Barradão, Engenhão), de campeonatos (Brasileirão) e até de empreendimentos comerciais (Drogão, Feirão, Ponto Frio Bonzão). A idéia parece ser não só ressaltar a magnitude das obras (no caso dos estádios), dos eventos e dos empreendimentos comerciais, mas também, pelo apelido de suposto gosto popular, criar um vínculo de familiaridade, ou mesmo afeto, com o público. No caso da política, além de significar uma operação de proporções grandes (o acordo para salvar Renan uniu múltiplos grupos, partidos e pessoas), o aumentativo transmite, ao contrário, um sentido de ação escusa, ou debochada, ou ilícita. Ilustre antecedente de "acordão", no léxico político, é o "centrão" da época da Constituinte. "Centrão" queria dizer não só um centro grande, mas um centro debochado, pelo qual transitavam preferencialmente os pleitos fisiológicos e os interesses inconfessáveis. "Acordão" remete igualmente ao locus privilegiado da malandragem ou da pura e simples roubalheira. Quando se fala em "centro" ou "acordo", a coisa é séria. Quando se fala em "centrão" ou "acordão", não é.
Chinelinho s.m. – Diminutivo de chinelo. Usado pelo senador Wellington Salgado (o da cabeleira), logo após a derrota da medida provisória que criava a Secretaria de Longo Prazo, em setembro, para designar o agrado, o mimo, o presentinho, que seu grupo, o dos parlamentares menos conhecidos do PMDB, reivindicava para votar com o governo. A palavra inseria-se na seguinte e piedosa declaração: "Não é um sapato de cromo alemão que os franciscanos querem, mas um chinelinho novo. Pode até ser usado, o que ninguém agüenta mais é machucar o pé". Tal qual os aumentativos, os diminutivos servem a peculiares intenções, na língua brasileira. Podem pretender disfarçar grandes vícios – por exemplo, quando se diz "vou tomar um uisquinho" ou "vou fumar um cigarrinho". Podem querer amortecer o impacto de transgressões, como quando o empregado diz ao patrão, ou o marido à mulher, que vai dar "uma saidinha". Ou podem tentar esconder o caráter insuperável de uma dificuldade, como quando se diz que surgiu "um probleminha". No caso, o senador quer dizer que não está querendo grande coisa, o que talvez não seja verdade (como quando se pede "um favorzinho"), mas louve-se sua sinceridade ao admitir que está pedindo, sim, e que só em troca de um benefício, uma vantagem, uma paga, é que votará com o governo. Chama atenção igualmente a menção aos "franciscanos", e não apenas porque esses religiosos usam chinelinhos, mas porque é uma explícita remissão ao "é dando que se recebe" da oração de São Francisco tão entoada pelo "centrão" em outros momentos do Parlamento brasileiro. Como se vê, aumentativos, como "centrão", e diminutivos, como "chinelinho", convergem para o mesmo leito em que corre o rio da política brasileira.
Metamorfose s.f., ambulante adj. – Modo pelo qual o presidente Lula se definiu ao justificar na semana passada sua mudança de idéia com relação à CPMF – contra quando na oposição, hoje a favor. A expressão, já citada em ocasião anterior pelo presidente, é uma citação do roqueiro Raul Seixas: "Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Equivale a uma versão Lula do "Esqueçam o que escrevi" de seu antecessor. Metamorfoses ambulantes são Lula e também o PT. No caso da CPMF, até se pode considerar que a metamorfose se opera numa manifestação benigna. Mais grave é a metamorfose experimentada por um e outro no departamento da moral e bons costumes políticos.
Renânia nome próprio – Região da Alemanha à margem do Rio Reno. Mas também, na feliz criação do jornalista Melchiades Filho, da Folha de S.Paulo, a terra dos renans, "quer dizer, Brasília". Engana-se quem pensa que Renan Calheiros foi o único absolvido na semana passada. Foi o conjunto de renans (pelo menos 48) que se absolveu a si próprio. Brasília tem nos renans um de seus espécimes mais característicos. No caso Renan Calheiros espelhava-se uma multidão de renans que, não fosse o bafo na nuca soprado pela imprensa e pela opinião pública, teria arremessado o assunto ao arquivo morto já no nascedouro. Assim como Renan Calheiros, mais de vinte outros renans do Senado são proprietários de meios de comunicação, ao contrário do que determina a Constituição. Terminada a votação, os renans, entre os quais aqueles que atendem pelo nome de Barbalho, Lobão ou Jucá (Jucá!), foram comemorar o resultado na residência do senador Sarney. Nada mais justo: a casa pode ser considerada a capital da Renânia, e seu dono, seu santo padroeiro.