PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
6/12/2007 |
Se ganharmos todas as batalhas, menos a da educação, perderemos a guerra. Se tivermos os melhores fundamentos macroeconômicos, mas os jovens não entenderem o que lêem, não haverá futuro. A educação é a mãe de todas as lutas. Uma economia em recessão pode se recuperar mais adiante, pelo próprio movimento dos ciclos; perder os cérebros de uma geração inteira é fatal. Está difícil escrever hoje. Há dias assim: piores, dolorosos. O Senado se abastarda nos conchavos, as prisões oferecem ao país cenas medievais, a violência colhe suas vítimas indefesas nas ruas; por insensatez e descuido destruímos a Amazônia. Tudo aflige. Mesmo assim, é possível achar que isso é conjuntural. Sonhar que um dia escolheremos senadores que nos orgulhem, construiremos prisões onde criminosos paguem sua dívida com a sociedade de forma civilizada, que a indignação seja tamanha que nunca mais uma menina seja trancada numa cela com homens. Mas como se proteger do pessimismo diante do teste internacional Pisa? Isso derrota. Perdemos para o Chile e para o México. Perdemos para quase todos, em quase tudo. Retrocedemos na mais fundamental das habilidades: a leitura. Há 500 anos, o sistema educacional se estruturou em torno do livro, mas o Brasil, no começo do século XXI, não consegue capturar os estudantes para o prazer da leitura. Prazer que meus pais e professores me ensinaram na infância e ao qual tributo cada um dos meus êxitos. Quem não lê não pensa bem. Quem não é ensinado a pensar jamais vai realizar seu potencial. Seguirá apequenado, subutilizado, subdesenvolvido. Um país de apequenados jamais será grande. Quando alguns alunos falham, a culpa pode ser dos alunos; quando tantos falham, foi a escola que fracassou. Há tantos motivos para a nossa tragédia educacional que é difícil saber por onde começar. O Brasil gasta mais por aluno do ensino superior que inúmeros países do mundo. O governo Lula aumentou de 70% para 75% a fatia do bolo federal da educação que vai para as universidades, quando a nossa tragédia começa no fundamental. Alguns professores gastam mais tempo se mobilizando por melhores salários e reivindicações da categoria que na dedicação aos alunos. Os livros didáticos foram contaminados por ideologia de terceira categoria. Mestres se aposentam cedo demais, e o Brasil perde a maturidade de suas vocações, o auge do seu conhecimento. Muitas famílias não se envolvem com a educação dos filhos, achando que isso é obrigação das escolas. A classe média paga colégio particular, debita uma parte do gasto no Imposto de Renda, não cobra qualidade da escola que paga, depois põe os filhos num bom cursinho para não gastar com a universidade. Os muito ricos escapam da tragédia coletiva alienando os filhos em escolas estrangeiras. Governos acham, como o atual, que devem mudar as políticas anteriores apenas por idiossincrasias político-partidárias. Empresas pensam que, se forem exigentes nos seus processos de seleção, serão competitivas, mas começam a descobrir que não têm onde fazer sua seleção. A incapacidade administrativa paralisa bons projetos, como o da informatização das escolas, cujo financiamento foi esterilizado no Fust. Ministros pedem mais dinheiro sem oferecer em troca qualquer melhoria de gestão. Alunos passam de ano sem ter aprendido, só porque reprovar não é politicamente correto. Imposto para qualificar o trabalhador financia sindicato de empresário; Fundo de Amparo ao Trabalhador financia empresas. Nosso único acerto nas últimas décadas foi universalizar o ensino, ainda que tarde. A tragédia da educação pode ser vista pela economia. Na era do conhecimento, a mais importante habilidade a desenvolver é a capacidade de pensar, o que só se consegue com educação de qualidade. Na era da globalização, as empresas tendem a espalhar pelos países etapas do seu processo produtivo, escolhendo cada local pela vantagem competitiva. Um país sem cérebros treinados ficará com o que há de mais tosco, com as etapas de menores valor agregado e salários. Os países competem por localização de investimento e mercados. Um país com uma mão-de-obra sem qualificação inevitavelmente perderá a competição. Mas o mais relevante não é a economia. Um ser humano não é apenas a sua força de trabalho. A educação não é só o treinamento de trabalhadores, por mais importante que isso seja. A educação é a única forma permanente de redução das desigualdades. O trabalhador que está hoje em alguma fazenda sendo escravizado ou submetido a trabalho degradante foi aprisionado na cadeia do analfabetismo. O ribeirinho que está com uma arma na cabeça na Amazônia, tendo que abandonar sua terra para que o grileiro ocupe tudo para desmatar, não sabe nem ler o documento que lhe apresentam para assinar. É a ignorância que o torna escravo. É a ignorância que desampara. A educação é, sobretudo, a forma de realização plena das tantas e tão versáteis capacidades humanas. Mais que treinar o trabalhador, forma o cidadão, amplia horizontes, alimenta ambições. Por isso é a mãe de todas as batalhas. Nós a estamos perdendo no momento mais decisivo da construção do país, quando a maioria da população é jovem. Temos em idade escolar (no ensino fundamental e médio), 37 milhões de brasileiros. E eles estão em perigo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, dezembro 06, 2007
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