A surpresa não foi quem ganhou o leilão da primeira hidrelétrica do Rio Madeira. Ganharam quem fez o estudo de viabilidade e o projeto, Odebrecht e Furnas. A surpresa foi o preço: muito mais baixo do que todos esperavam. “Agora está todo mundo coçando a cabeça para entender”, disse um especialista em energia. Energia mais barata; melhor para o consumidor. Mas eles podem aproveitar algumas brechas.
Uma brecha é a seguinte: produzir energia no Norte tem incentivo fiscal. Ou seja, eles pagarão menos impostos do que se fizessem em outras áreas. Mas isso está à disposição de todos, não apenas do casal OdebrechtFurnas. Até os projetos recentemente aprovados de termelétricas a carvão e a óleo combustível, mais agressivas ao meio ambiente, terão incentivo fiscal.
Outro truque é a parceria.
A Odebrecht está com uma empresa estatal — e, por isso, todos os grupos quiseram estatal nos consórcios —, o que dilui o risco.
Terceiro, fala-se que o BNDES, além de ser o financiador com condições excepcionais, pode vir a ser também um dos sócios. E mais: fundos de pensão de estatais podem acabar entrando como sócios no grupo vencedor. Por fim, outra forma de reduzir o custo será a associação com a Vale do Rio Doce. Se ela entrar como sócia e consumidora, caracteriza-se como um “autoprodutor” e, por isso, pode deixar de pagar duas importantes taxas que encarecem a energia para o comum dos mortais: a CCC e a CDE (Conta de Consumo de Combustíveis e Conta de Desenvolvimento Energético). O autoprodutor é isento dessas cobranças.
Com tudo isso, o leilão pode ser considerado um sucesso da perspectiva do consumidor, porque o preço que eles aceitam receber com cada megawatt/hora é 35% mais baixo que o estabelecido pelo governo no leilão.
Ganhava a menor tarifa.
No mercado, economistas que acompanharam o assunto e empresas da área de energia acham que o consórcio tem que ganhar muito dinheiro na obra para compensar a proposta feita.
Um dos especialistas argumentou o seguinte: a obra estava estimada em R$ 9,5 bilhões, para gerar 2.200 MW médios de energia firme, o que daria mais ou menos R$ 4.300 por kW médio.
Isso do lado do custo.
Do lado da receita, a energia foi vendida a R$ 78,9 MWh, mas esse preço é para os 70% que vão para as distribuidoras.
Uma parte da compensação o grupo pode tirar dos outros 30%, que vão para o consumidor livre, e isso pode sair em torno de R$ 140 MWh, o que daria um preço médio de R$ 97 MWh. Enfim, esse especialista fez as contas de mais e menos e chegou à conclusão de que eles trabalharam com um retorno de 4% a 4,5%, o que é considerado baixíssimo. Os empreendedores, normalmente, exigem retorno de 7% a 8%. A tarifa inclui a linha de transmissão, que entrou na conta por R$ 25 o MWh. Isso significa que o preço mesmo da energia será de menos de R$ 55 o MWh; bem abaixo do preço de outros empreendimentos.
Outro especialista da área de energia calcula que a conta só fecha se o grupo Odebrecht-Furnas apresentar um projeto muito melhor do que aquele que ele preparou no estudo de viabilidade.
— Isso mostra que o melhor é, no futuro, proibir quem faz o projeto de viabilidade de participar do leilão.
No passado, a forma mais comum de ganhar uma licitação era aceitar um preço baixo para a obra e, depois, pedir novos aditivos ao contrato. Eram os contratos do tipo cost plus. Será que vai ser assim novamente? Os especialistas em energia explicam que, desta vez, vai ser difícil usar o truque do aditivo, pois o tipo de contrato é diferente.
A empresa que faz a obra tem que começar com um grande desembolso, depositando a garantia de 7% do valor da obra e, além disso, o construtor recebe no final, quando já estiver constr uída.
Será um desafio e tanto; e vai marcar a forma de exploração dos novos potenciais hidrelétricos remanescentes.
São todos na Amazônia, numa época em que a questão ambiental assumiu proporção muito maior em relação ao apoio que tem na sociedade. A pior hidrelétrica da Amazônia em termos ambientais é Balbina, que fez o máximo de estrago para o mínimo de geração.
De lá para cá, muita coisa mudou. A hidrelétrica de Estreito, em Tocantins, foi a primeira dessa série, mas não tem a importância de e não é tão emblemática quanto Madeira. E, mesmo assim, enfrentou muitas resistências.
A licença prévia foi concedida pelo Ibama com uma série de condicionantes que terão que ser seguidos agora se o consórcio quiser a licença de instalação. Isso torna o começo da obra ainda uma incerteza.
Mas, se tudo der certo, a hidrelétrica de Santo Antônio estará produzindo seus primeiros 1.000 MW em 2013.
A usina não entra integralmente em operação em 2013; apenas uma parte dela.
Há enormes incertezas. É a primeira vez que se faz uma hidrelétrica deste tamanho usando tecnologia bulbo no mundo. A turbina bulbo tem a vantagem de alagar menos e poder trabalhar com pequenas quedas de água, mas por isso tem sido usada somente em hidrelétricas menores. Dessa dimensão é a primeira vez. Serão 44 turbinas instaladas no rio. Técnicos ainda têm dúvida se o sedimento do Madeira não tornará essa hidrelétrica de difícil operação.
Santo Antônio e Jirau — a próxima a ser licitada — marcarão a forma de aproveitamento hidrelétrico dos rios da Amazônia. Os projetos hidrelétricos na floresta serão sempre conflituosos, incertos, arriscados.
Entrevista:O Estado inteligente
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