O Globo |
18/12/2007 |
Os bastidores da aprovação da prorrogação da Desvinculação das Receitas da União, a famosa DRU, e as negociações para sua votação definitiva em segundo turno esta semana, mostram bem as nuances políticas que estão em jogo, e explicam a momentânea sensatez do presidente Lula. São três os efeitos diretos da DRU, que permite que o governo separe 20% do Orçamento para gastar conforme suas prioridades, inclusive as verbas vinculadas. Dos cerca de R$90 bilhões que ela remaneja, quase metade vem da área social. Com a DRU, o governo retira R$36,5 bilhões provenientes das contribuições vinculadas à seguridade social (Previdência Social, saúde e assistência social, inclusive o Bolsa Família); R$2,5 bilhões das contribuições econômicas que iriam basicamente para as estradas devido à Cide; e R$6 bilhões da parcela que a União tem que aplicar na educação. A DRU, por outro lado, amplia a capacidade de manobra do governo. Na prática, a maior parte dos recursos da DRU ele usa para fazer o superávit primário. Se ela fosse derrubada, a área social estaria "blindada", e o governo teria que buscar o superávit primário através de corte de gastos. Ao contrário do que o governo está falando, quem vai tirar dinheiro do social para outras finalidades é o próprio governo, e não a oposição, e por isso ele está tão interessado em manter a DRU. Derrubar a DRU teria um efeito imediato para a oposição, o de inverter o discurso da chantagem do social utilizado pelo governo. Por isso o presidente Lula está tendo uma reação muito sensata, muito equilibrada depois da grande derrota que sofreu no Senado. Quem não está equilibrado são alguns ministros, como o da Saúde, Temporão, ou do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, que acusam a oposição de ter tirado dinheiro "de nossas crianças, de nossos pobres". E o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que já anunciou várias decisões e foi sempre desautorizado pelo próprio presidente Lula. Anunciou que o governo mandaria uma medida provisória recolocando o imposto sobre o cheque para a saúde, e foi desautorizado, por que não apenas estava errado tecnicamente, pois o governo não pode criar impostos por medida provisória, mas sobretudo cometeu um erro político, pois irritou não apenas a oposição, mas todo o Congresso. Recriar um imposto já derrotado pelo Senado seria um acinte que os políticos não perdoariam. Ao que tudo indica, alguns ministros ainda não se deram conta de que, pelo menos até a aprovação da DRU, não é sensato agredir a oposição. O presidente Lula, que é um negociador político nato, deve ter notado que o sistema agressivo que ele usou antes da votação da CPMF, de fazer terrorismo para pressionar a oposição, não funcionou. Ao contrário do homem sereno de agora, Lula foi capaz de tentar constranger a oposição com frases como esta: "As pessoas sabem que a CPMF é extremamente importante para a estabilidade fiscal, para a estabilidade da economia deste país. Se fizerem estupidez, acho que o Brasil pagará um preço". Agora, está querendo uma conversa mais sensata, mais serena, e faz muito bem. Há quem diga que o presidente Lula não tinha se dado conta da relevância da DRU, e que foi o governador José Serra quem lhe chamou a atenção para a importância de preservá-la, separando-a da emenda que prorrogava a CPMF. Se Lula conseguir fazer o equilíbrio das contas públicas sem aumentar imposto, parte das críticas que se fazem à sua administração acaba. Mas para isso será preciso cortar gastos, e aumentar a eficiência administrativa. Diferentemente, no entanto, do discurso politicamente correto do presidente Lula, de que precisa aumentar as contratações para melhorar a performance da saúde e da educação, não é nessas áreas que estão ocorrendo as maiores contratações e os maiores aumentos de salários. Os cargos estão subindo no Poder Judiciário, no Ministério Público, na Polícia Federal e em funções administrativas em geral, na Receita Federal, no Tesouro, no Ipea. Muito aumento de salário prometido pode ser sustado, muitas obras desnecessárias, como prédios públicos, já com dotação orçamentária, podem ser adiadas, a economia continuará crescendo e com isso a arrecadação tributária aumentará também, parte, inclusive, impulsionada pelo aumento do gasto que a "privatização" do dinheiro da CPMF vai provocar. Entre as avaliações que estão sendo feitas pela oposição está a de que somente obrigado o governo cortará seus gastos. E a quase certeza de que, aprovada a DRU, voltarão as acusações nada democráticas contra os que derrotaram a CPMF, como a que fez antes de baixar o tom, advertido dos problemas que a não aprovação da DRU trará. Na oposição, especialmente a parlamentar, há também quem considere que as declarações aparentemente desencontradas entre o presidente Lula e seus ministros não passam de uma velha estratégia para ele se preservar, mas mantendo o ataque através de outros "companheiros", que volta e meia são desautorizados. Hoje, na reunião da Comissão de Economia do Senado, os tucanos pretendem provocar o senador Aloizio Mercadante, para que ele tenha que assumir que com a DRU o governo desviará verbas de setores sociais. O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, mandou um recado duro para o governo: se continuarem a acusar a oposição, a DRU não será aprovada. |
Entrevista:O Estado inteligente
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